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CIÊNCIA
China tem fósseis mais antigos de vertebrados
MARCELO LEITE
especial para a Folha
Cientistas chineses e britânicos
fisgaram em pleno período Cambriano (545 milhões a 490 milhões de anos atrás) os mais antigos vestígios de animais vertebrados de que se tem notícia. São bisavós de peixes, ainda desprovidos de mandíbulas, que tiveram
seus corpos quase milagrosamente preservados.
A descoberta recua entre 20 milhões e 50 milhões de anos a datação de fósseis de vertebrados (animais dotados de coluna vertebral,
como peixes, aves e mamíferos).
Entre as implicações científicas
do achado está um reforço para a
tese de que ossos são uma invenção relativamente recente da natureza.
Os nomes atribuídos aos dois
organismos são impronunciáveis
para o leigo: Haikouichthys ercaicunensis e Myllokunmingia fengjiaoa. Os paleontólogos (estudiosos de fósseis) que os descobriram contam na revista "Nature"
da semana passada que não encontraram sinal algum de mineralização em seus tecidos -ou
seja, eles não tinham ossos.
Isso ajuda a explicar por que são
tão raros os fósseis desses ancestrais de todos os vertebrados. Tecidos ósseos são mais propícios à
fossilização, que não passa da
substituição de substâncias orgânicas por minerais nas formas de
um organismo morto.
Estruturas mais moles, como
cartilagens, couro e órgãos internos, muito raramente dão origem
a fósseis. Da época do Cambriano
só se conhecem dois sítios em que
esses tecidos foram preservados:
Burgess, no Canadá, e Chengjiang, na China.
Desses dois locais provém a coleção de fósseis de uma fauna espetacular, batizada como Ediacara. O repentino surgimento de
tantos e tão diferentes animais
multicelulares no registro geológico ficou conhecido como explosão do Cambriano.
Até agora, faltavam colunas vertebrais nessa explosão. Havia indícios de cordados, o grupo mais
abrangente a que se filiam os vertebrados, mas são muito controversos.
Os vestígios encontrados por Simon Conway Morris, da Universidade de Cambridge (Reino Unido), e seus colegas chineses são
inequivocamente de vertebrados.
Crânios, guelras, nadadeiras
-tudo parece estar lá.
"Os dois novos fósseis (...) de
Chengjiang são os mais convincentes vertebrados do Cambriano
jamais encontrados", escreveu na
mesma edição da "Nature" o paleontólogo Philippe Janvier, que
não participou da descoberta.
Conway Morris é um grande
nome da paleontologia, e não só
para o público especializado. Ele
liderou a escavação em Burgess, a
primeira formação a revelar a estranha fauna Ediacara.
Alguns desses organismos eram
tão bizarros que motivaram o não
menos conhecido paleontólogo e
ensaísta norte-americano Stephen Jay Gould a escrever um livro inteiro sobre eles. A obra de
divulgação, "Vida Maravilhosa",
tornou-se um best seller (lançado
no Brasil pela editora Companhia
das Letras).
Gould defendia no livro a idéia
de que a explosão cambriana tinha sido um gigantesco experimento da natureza com as mais
disparatadas arquiteturas corporais. Somente umas poucas teriam dado certo, entre elas a que
originaria os vertebrados.
Para Gould, há grande dose de
acaso nesse processo. Se fosse
possível dar um "reset" no enredo
da evolução, ela provavelmente
seguiria um roteiro ligeiramente
diferente -e talvez não houvesse
vertebrados nem humanos sobre
a Terra.
Conway Morris não parece ter
gostado muito das interpretações
dos fósseis de seus organismos
popularizadas pelo colega de Harvard (Cambridge, Massachusetts,
nordeste dos EUA). Acabou lançando seu próprio livro sobre a
fauna de Burgess, "The Crucible
of Creation - The Burgess Shale
and the Rise of Animals".
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