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MEDICINA
Primeira fase de ensaios com humanos começa em até três meses; imunização foi concebida contra a tuberculose
USP testará vacina de DNA contra câncer
DA REDAÇÃO
Uma vacina de DNA elaborada
na USP de Ribeirão Preto para
prevenir tuberculose começará a
ser testada em humanos em até
três meses. Só que para curar câncer. A aplicação, que parece inusitada, pode abrir novos caminhos
tanto para o tratamento da doença quanto para a indústria farmacêutica de tecnologia nacional.
A vacina foi concebida por Célio
Lopes Silva, da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto, e
seus resultados contra a tuberculose foram apresentados pela primeira vez em 1994.
Agora, ela será testada por médicos do Hospital das Clínicas da
USP de São Paulo em 18 pacientes
com câncer de cabeça e pescoço
em estágio avançado e que não
respondem à quimioterapia. Esse
tipo de câncer afeta 11 mil pessoas
por ano no Brasil e é a 3ª causa de
morte por tumor no país.
Os testes clínicos de fase um
(testes em seres humanos costumam ter três fases) foram autorizados em agosto pelo Conep
(Conselho Nacional de Ética em
Pesquisa) e só dependem da produção da vacina em quantidade
suficiente para que comecem.
Eles foram anunciados pela revista "Pesquisa Fapesp", da Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo, que financia
os estudos, e serão coordenados
por Kald Ali Abdallah e Pedro Michaluart, do Hospital das Clínicas.
A vacina é feita a partir de uma
proteína da bactéria Mycobacterium leprae, parente do causador
da tuberculose. O gene que traz a
receita dessa proteína é injetado
no corpo e as próprias células do
paciente passam a fabricá-la, preparando a defesa do corpo contra
o invasor.
A ligação com o câncer foi descoberta quase por acaso, no início
dos anos 90, quando começou a
pesquisa que culminaria na elaboração da vacina.
"Na época, a gente colocava o
DNA [da proteína da bactéria]
numa célula e injetava essa célula
num camundongo", disse à Folha
a imunologista Carla Lima, da
USP de Ribeirão Preto.
Só que, para servirem de veículo
para a entrega do DNA imunizante, as células precisavam passar
por um processo de cultivo no laboratório que as tornava potencialmente cancerígenas. "[Mas] quando essas células eram injetadas em camundongos, elas não provocavam tumor", disse Lima.
Daí o grupo de Silva ter começado a suspeitar que a proteína, conhecida como hsp65, também
pudesse ser usada contra o câncer. As suspeitas foram confirmadas em animais de laboratório,
que foram curados de um sarcoma (um tipo de câncer) por ela.
Segundo Abdallah, a vacina será
injetada diretamente nos tumores
dos pacientes. A idéia é que a proteína da bactéria se instale na superfície das células do tumor, tornando-as alvos visíveis para o sistema de defesa do corpo.
"O que eu quero é fazer com que
o sistema imune "pense" que o tumor é uma célula infectada", disse
o pesquisador da USP.
Os primeiros testes em humanos estão sendo planejados há um
ano e meio. Eles servirão tanto para confirmar esse potencial quanto para detectar eventuais efeitos
tóxicos que possam não ter sido
descobertos em laboratório. Se
tudo der certo nessa primeira fase, a vacina poderá passar diretamente para a terceira. Se continuar indo bem, pode estar disponível em três anos.
"Se conseguirmos diminuir a
velocidade de crescimento dos tumores sem impacto na qualidade
de vida deles [dos pacientes], já
será uma vitória muito grande",
afirmou Kald Abdallah.
Para o mercado
"Ela vai ser testada antes em pacientes com câncer porque os
grupos de estudo clínico de câncer no Brasil estão mais estruturados que os de tuberculose", disse
José Maciel Rodrigues Júnior.
Ex-pesquisador da UFMG
(Universidade Federal de Minas
Gerais), Rodrigues Júnior é atual
diretor da R&DBiotec, uma pequena empresa de biotecnologia
que produzirá a vacina.
Ele desenvolveu a formulação
atual da vacina de DNA, que é carregada para as células dentro de
uma microesfera de polímero. A
microesfera impede a célula de
destruir o DNA imunizante. "Isso
reduz em até dez vezes a quantidade de plasmídeo [um anel de
DNA no qual o gene da hsp65 é
inserido para poder ser aplicado]
necessário para a vacina", disse.
A empresa de Rodrigues Júnior
está montando a primeira linha
de produção da vacina, que deve
ficar pronta em três meses. A USP
e a Fapesp já pediram a patente da
descoberta no Brasil e no exterior.
(CLAUDIO ANGELO)
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