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BIOSSEGURANÇA
Microrganismo destrói o próprio DNA depois de executar sua tarefa, evitando contaminação do ambiente
Fungo suicida reduz risco de transgênico
REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Um fungo geneticamente modificado que comete suicídio depois
de cumprir sua função num processo industrial pode tornar mais
seguros os microrganismos transgênicos. Criado por pesquisadoras da USP, o micróbio destrói o
próprio DNA quando sua comida
acaba, evitando que genes estranhos contaminem o ambiente.
A versão kamikaze da Saccharomyces cerevisiae, a levedura da
cerveja, usada há milênios na produção de álcool, já rendeu um pedido de patente no Inpi (Instituto
Nacional da Propriedade Industrial) e um prêmio concedido pelo
governo do Estado de São Paulo a
suas inventoras, Ana Clara Guerrini Schenberg e Andrea Balan.
As pesquisadoras, do Instituto
de Ciências Biomédicas da USP,
vão dividir cerca de R$ 7.000 do
Prêmio Governador do Estado e
acreditam ter desenvolvido um
sistema promissor de biossegurança: de acordo com Schenberg,
ele pode ser aplicado a qualquer
microrganismo transgênico e é
simples de ser posto em prática.
O trabalho também é o primeiro a desenvolver um sistema de
segurança antitransgênicos para
micróbios eucariontes (dotados
de uma célula com núcleo, como
as de animais e plantas).
"Já existiam coisas feitas há
mais tempo para bactérias", conta
Schenberg. Mas, na maioria dos
casos, o alvo da autodestruição
era a membrana da célula transgênica. O processo era uma boa
forma de matar o organismo modificado, mas não atacava a fonte
do problema: o DNA, que podia
continuar solto no ambiente e
contaminar outros seres vivos.
Para fugir desse inconveniente,
a dupla foi buscar um gene da
bactéria Serratia marcescens, que
codifica uma substância devoradora de DNA. Trata-se de uma
nuclease -enzima que quebra
em pedacinhos os ácidos nucleicos, como o DNA e o RNA. "Na
natureza, a bactéria joga essa enzima para fora, talvez para degradar esses ácidos e se alimentar deles", explica Schenberg.
A idéia era usar essa propriedade para eliminar o DNA transgênico. Para isso, as pesquisadoras
tiraram do gene bacteriano as letras químicas que codificam a ordem para lançar a enzima para fora quando estivesse pronta -era
preciso que o material genético
dentro da célula fosse destruído.
Direto no alvo
A versão "corrigida" do gene recebeu, então, o que os geneticistas
chamam de um promotor -
uma sequência de DNA que determina quando e como aquele
gene vai funcionar. O promotor
brecava a produção da enzima,
que só poderia ser sintetizada
quando não houvesse mais glicose -o tipo mais simples de açúcar- nas redondezas.
Essa mudança foi feita exatamente porque o serviço mais comum realizado pela S. cerevisiae é
se alimentar de glicose e fabricar,
como subproduto, o álcool. Em
condições normais, ela se multiplica até que acabe o estoque de
açúcar. Contudo, com o DNA da
bactéria inserido nela, o fim do almoço era também o fim da vida: a
nuclease literalmente digeria a levedura por dentro.
A técnica funcionou quando a
sequência sabotadora foi colocada solta no núcleo da S. cerevisiae,
mas as cientistas conseguiram inseri-la diretamente num cromossomo da levedura. Essas estruturas carregam a informação genética original do micróbio -o que
significa que o gene estranho foi
integrado a ele.
Multiuso
A estratégia poderia ser útil não
apenas numa cepa transgênica da
levedura que produzisse álcool de
forma mais eficaz. A S. cerevisiae
é muito utilizada para fabricar
substâncias para a indústria farmacêutica -a vacina mais comum contra o vírus da hepatite C
é feita por ela, assim como parte
da insulina usada hoje por pessoas com diabetes.
Schenberg afirma que cepas de
laboratório e industriais da levedura foram testadas com igual sucesso. O mesmo aconteceu quando elas foram submetidas a uma
liberação simulada no solo, que é
normalmente pobre em glicose. E
sem sobras genéticas: "O efeito é
fulminante, o DNA não tem tempo de mudar", diz a pesquisadora.
Membro da CTNBio (Comissão
Técnica Nacional de Biossegurança), Schenberg diz que vai recomendar o procedimento para
controlar transgênicos. "Como é que você sabe que aquilo [o transgene] não vai escapulir? Embutindo essa trava de segurança você controla isso", afirma.
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