São Paulo, sábado, 09 de janeiro de 2010

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Bactéria age como vacina para dengue em inseto

Micróbio torna mosquito transmissor imune à infecção pelo vírus da doença

Trabalho de brasileiros e australianos sugere nova forma de enfrentar parasita, se for possível espalhar os infectados no meio natural


Divulgação
Bactéria evita que vírus da dengue se instale em transmissor da doença

REINALDO JOSÉ LOPES
DA REPORTAGEM LOCAL

Se jogar fora a água acumulada de pneus e garrafas não tem adiantado muito, o caminho para derrotar a dengue talvez passe por uma bactéria. O microrganismo, acabam de mostrar cientistas do Brasil e da Austrália, é capaz de infectar o mosquito Aedes aegypti, evitando que o vírus da dengue se estabeleça no inseto.
A estratégia, detalhada em artigo na prestigiosa revista científica "Cell", também pode ser útil contra outro vírus letal transmitido pelo A. aegypti, o Chikungunya, e até contra o parasita causador da malária, normalmente carregado por mosquitos do gênero Anopheles. A bactéria que fecha as portas aos outros invasores também é passada de geração em geração, o que, em tese, permitiria seu avanço por toda a população de insetos.

Mudança de rumo
A pesquisa representa um passo inesperado numa outra forma de ataque ao mosquito da dengue que o grupo andava estudando. A ideia original era aproveitar o efeito nocivo de uma variedade especial da Wolbachia, bactéria que, segundo estimativas, ataca mais de 60% das espécies de insetos, manipulando-as para seus próprios fins (leia texto à direita).
"Essa cepa de Wolbachia foi descoberta em Drosophila [moscas-das-frutas] em 1997. Ela aumentava muito em densidade populacional na mosca, e as células tinham danos, chegando até mesmo a estourar, o que motivou os pesquisadores a batizarem a variedade de "Popcorn", ou seja, Pipoca. Esse efeito diminui a longevidade do inseto", explica Luciano Moreira, do Instituto de Pesquisas René Rachou (MG), da Fiocruz, que atualmente faz pós-doutorado na australiana Universidade de Queensland.
Embora a bactéria não infecte naturalmente o A. aegypti, os pesquisadores deram um jeito de transmiti-la ao bicho, por meio de injeções no embrião do mosquito. O plano era criar um bando de A. aegypti que morresse antes do tempo, com menos capacidade de transmitir o vírus da dengue.
Só que havia outros dados, indicando que a bactéria poderia proteger seu hospedeiro de certos vírus. Ao infectar novos mosquitos com o micróbio e depois tentar contaminá-los com o causador da dengue, ficou claro que o grupo havia criado insetos praticamente imunes ao vírus. A façanha foi repetida no caso de um outro tipo de Aedes, que foi inoculado com um parente do parasita da malária -e o venceu.
"O mecanismo disso não está claro", diz o biólogo Bruno Rocha, mestrando da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) que conduz pesquisas na Fiocruz. "Há sinais de que a bactéria ativa o sistema imune [de defesa] do mosquito. Ou pode ser que ela e o vírus estejam competindo por recursos, e por isso ela o exclui. As duas coisas podem acontecer ao mesmo tempo", diz Rocha.
De qualquer maneira, a receita de ataque à dengue está mais ou menos clara: solte esses mosquitos na população e, ao cruzar com os existentes hoje, a bactéria -e a imunidade ao vírus- vai se espalhar.

Sem mágica
Resta saber se, quando os testes de campo começarem, os mosquitos com a bactéria serão capazes de competir com os outros. Por isso mesmo, Rocha lembra que nenhuma solução é mágica. "Vamos precisar de outras metodologias e de novos fármacos contra a dengue", diz.


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