|
Próximo Texto | Índice
MICRO/MACRO
Como enxergar o invisível
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
Na década de 1930, o astrônomo suíço-americano Fritz Zwicky resolveu medir as velocidades de galáxias
agrupadas nos chamados aglomerados,
grupos que podem conter de dezenas a
milhares de galáxias de massas e formatos diversos. A atração gravitacional das
galáxias entre si faz com que elas se comportem como abelhas presas em um saco
de papel, incapazes de escapar. Por
exemplo, a nossa galáxia, a Via Láctea,
faz parte do Grupo Local, que contém 20
galáxias. O aglomerado de Virgem, que
se encontra a aproximadamente 60 milhões de anos-luz daqui, contém milhares de galáxias.
A idéia de Zwicky era usar suas medidas de velocidade das galáxias no aglomerado para estimar a sua massa total.
Afinal, se a força que está movendo as
galáxias é a força gravitacional, suas velocidades dependem da massa total do
aglomerado.
No Universo, nem tudo que tem massa
brilha. Por aqui mesmo, em nosso Sistema Solar, o único objeto que brilha, isto
é, que produz sua própria luz, é o Sol.
Planetas, luas e asteróides apenas refletem essa luz. É bem verdade que a massa
do Sol é muito maior do que todo o resto
do Sistema Solar. E se, no caso das galáxias, essas ilhas de estrelas, ou no dos
aglomerados, existisse muito mais massa do que a que podemos ver?
Foi isso que sugeriu Zwicky. Suas medidas eram compatíveis com a existência
de muito mais massa nos aglomerados
do que a soma das massas das galáxias:
os aglomerados estavam cheios de massa
invisível. A questão então se tornou como enxergar o invisível, ou seja, como
estimar a massa dos aglomerados se não
podemos vê-la.
Mais recentemente, foi descoberto que
não só os aglomerados, mas as próprias
galáxias, têm muito mais massa do que o
esperado. Para chegar a essa conclusão,
foi necessário estimar a velocidade de rotação das galáxias. Basicamente, se a
maior concentração de massa da galáxia
está onde podemos vê-la, ela deveria estar na região central, que é a mais luminosa. Nesse caso, as leis da gravidade,
aliadas às leis da mecânica, mostram que
a velocidade de rotação da galáxia deveria decrescer na região periférica, onde
existe menos massa visível.
Mais uma vez, os resultados foram surpreendentes. As velocidades de rotação
da maioria absoluta das galáxias espirais
(como a nossa Via Láctea) permanece
relativamente constante. Esses resultados permitiram uma estimativa da
quantidade de matéria invisível nas galáxias, que varia entre 3 e 10 vezes mais do
que a matéria visível, composta de estrelas e gás luminoso.
No caso das galáxias, a velocidade de
rotação é obtida usando o famoso efeito
Doppler, que diz que ondas têm suas frequências modificadas caso exista movimento relativo entre a fonte e o observador. Sabemos disso com ondas sonoras:
basta lembrar da modificação no som da
buzina de um carro que se aproxima
(maior frequência) ou se afasta (menor
frequência).
O efeito Doppler nas galáxias aparece
nas medidas da luz de suas estrelas em
posições diferentes relativas ao centro. E
nos aglomerados, que estão muito longe
para esse tipo de medida. Nesse caso, as
medidas são da luz que vem das galáxias
como um todo, que aparecem como
pontos de luz a grandes distâncias (as
abelhas no saco de papel). As conclusões
são ainda mais dramáticas do que no caso das galáxias: existe de 10 a 100 vezes
mais matéria invisível -chamada de
matéria escura- em aglomerados.
Como essas medidas são complicadas,
é sempre bom ter outros métodos para
confirmá-las. Para isso, utiliza-se o fato,
previsto pela Teoria da Relatividade Geral de Einstein, de que a presença de matéria encurva a geometria do espaço à
sua volta. Se a luz de uma estrela distante
passa perto de outra em direção à Terra,
será desviada na proporção da massa da
estrela intermediária.
Esse efeito, chamado de lente gravitacional, tornou-se fundamental para enxergarmos o invisível. Para estimar a
massa total de um aglomerado, basta encontrar um objeto bem distante cuja luz
passa perto dele em sua viagem até a Terra. Os resultados confirmam que, de fato,
a maior parte da massa do Universo, em
torno de 80%, é mesmo invisível. O essencial, como escreveu Saint-Exupéry
em "O Pequeno Príncipe", é mesmo invisível aos olhos.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do
Dartmouth College, em Hanover (EUA) e autor do
livro "O Fim da Terra e do Céu"
Próximo Texto: Ciência em Dia: Challenger e Columbia Índice
|