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O verme, interrompido
Brasileiros usam molécula-irmã do DNA para tratar
infecção por esquistossomo em cobaias
RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL
Um grupo de pesquisadores brasileiros
esbarrou em um
sucesso inesperado no teste de uma
nova classe de drogas para tratar a esquistossomose, um dos
tipos mais agressivos de verminose. Usando um simples segmento de RNA -a molécula
"prima" do DNA presente em
todas as células- o geneticista
Tiago Campos Pereira conseguiu matar 27% da população
do verme Schistosoma dentro
de camundongos infectados,
em testes preliminares.
Integrante do grupo de Iscia
Cendes, na Unicamp (Universidade de Campinas), Pereira é
especialista em uma técnica
conhecida como interferência
de RNA. Criada há dez anos pelos ganhadores do Nobel de
Medicina de 2006, Craig Mello
e Andrew Fire, a abordagem
conhecida pela sigla RNAi consiste em inserir uma fita dupla
desse tipo de molécula numa
determinada célula para bloquear a ativação de um gene.
Desde sua descoberta, a técnica vem sendo usada para investigar o papel de determinados trechos de genoma. Recentemente, possíveis aplicações
médicas do RNAi têm despontado, e alguns cientistas já procuram usar a técnica para atacar vários vírus. Nenhum outro
tipo de parasita, porém, tinha
se mostrado alvo possível.
E uma curiosidade no sucesso de Pereira e Cendes no combate à esquistossomose em cobaias é que nenhum dos dois tinha experiência em parasitologia. No início, o que existia
eram cientistas com uma cura
em busca de uma doença.
"Estávamos interessados em
encontrar o modelo experimental de uma doença humana
no qual pudéssemos aplicar o
RNAi, e aí é que a esquistossomose surgiu", conta Cendes.
"Apesar de ser uma doença para a qual já existe um tratamento -quimioterápicos- essas drogas não são isentas de
efeitos colaterais, e já começam a existir parasitas que são
resistentes à terapia."
Para lidar com aspectos conhecidos da doença, os geneticistas se juntaram aos parasitologistas Eliana Zanotti-Magalhães e Luiz Augusto Magalhães, também da Unicamp. E a
parceria entre diferentes áreas
médicas rendeu resultado.
Molécula nua
Não que alguém esperasse
grande coisa já no início. Apesar de terem experiência com a
técnica, fizeram um primeiro
experimento apenas em espírito de sondagem, tanto que aplicaram apenas uma injeção de 5
microgramas de solução de
RNA nos roedores infectados.
"A gente simplesmente injeta uma solução de RNA na corrente sangüínea do camundongo através da veia, uma estratégia bem barata", diz Pereira.
"Não teve preparação nenhuma. O RNA vai nu, mesmo."
A molécula escolhida para
atacar o verme desativa um gene essencial do animal, causando um colapso total no seu sistema metabólico. Segundo Pereira, uma redução de 27% na
população do verme em um
roedor infectado com uma dose
tão baixa da droga foi um resultado inesperado. A simples repetição da aplicação da droga,
afirmam, elevaria a eficácia.
"Além disso a molécula, da
maneira como a injetamos, é
pouco resistente na circulação
sanguínea e se degrada muito
rápido", diz Cendes. "Existem
modificações químicas que podem torná-la um pouco mais
resistente na corrente sangüínea e atingir um numero maior
de vermes dentro do fígado."
Iguais diferentes
O segredo do tratamento elaborado por Cendes é que o gene
escolhido para ser atacado pela
técnica de RNAi tem papel importante na síntese de uma
proteína fundamental na produção do DNA do verme. Sabotar uma proteína de parasitas
com fármacos comuns pode ser
uma estratégia difícil, já que
elas podem prejudicar outras
proteínas similares do hospedeiro (o doente) também.
"No nosso caso, as proteínas
eram iguais no parasita, no camundongo, e no homem", explica Pereira. "Mas apesar de a
proteína ser idêntica, o RNA
que codifica essas proteínas é
bem diferente." Essa diferença,
diz, permitiu o grupo sabotar
apenas proteínas do verme.
Outra vantagem de usar o
RNA é que a ação da molécula é
totalmente conhecida: ela esta
presente em toda célula ativa
de todo ser vivo. Seu papel é
traduzir o código do DNA em
ação. O vermífugo praziquantel
-usado hoje para a esquistossomose- ainda não teve seu
mecanismo de ação elucidado.
"E existe efeito colateral." diz
Cendes. "A droga acaba sendo
tóxica para o paciente, que não
faz o tratamento completo." O
estudo de Cendes e colegas será
publicado na revista "Experimental Parasitology".
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