São Paulo, domingo, 09 de abril de 2000


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Periscópio

Reação dos vegetais ao ataque dos insetos

José Reis
especial para a Folha

As plantas possuem numerosos meios de defesa contra os predadores em geral (espinhos, acúleos, pelos urticantes, toxinas etc.). É imensa a pressão que sofrem dos insetos herbívoros. Pelo menos meio milhão de espécies, em todo o mundo, vive à custa de plantas vivas. Recolhem anualmente cerca de 150 bilhões de toneladas de tecido vegetal. O ingrediente principal dessa colheita é a celulose. Curioso é que, ao contrário de muitas bactérias e fungos, a maioria dos insetos herbívoros não é capaz de digerir e aproveitar a celulose. A vasta maioria dos insetos que usam a celulose como alimento vale-se do auxílio de fungos, bactérias e protozoários para digeri-la, à semelhança do que fazem os ruminantes, cavalos e outros vertebrados.
Por que a maioria dos insetos não usa como alimento a celulose, que forma a parede das células vegetais, onde se concentram os elementos nutritivos (açúcares, proteínas etc)? É que essa parede celulósica é muito dura e difícil de digerir, de maneira que muitos insetos se contentam em sugar o alimento de sua preferência, enquanto outros, dotados como os gafanhotos e as lagartas de fortes mandíbulas, quebram a parede, triturando-a sem digeri-la, e aproveitam o conteúdo libertado das células. Há todavia algumas espécies que conseguem digerir a celulose. É o caso de certas baratas, cupins e brocas. Alguns desses insetos aproveitam a ajuda de protozoários que vivem em seu tubo digestivo; outros (cupins e certos besouros) são ajudados por bactérias também intestinais, enquanto outros procuram as enzimas digestivas necessárias em fungos que apodrecem nas madeiras. Finalmente alguns insetos parecem capazes de produzir sua próprias enzimas que digerem a celulose.
Num congresso de biologia molecular realizado em Tucson, Arizona, mereceu destaque o estudo dos meios pelos quais as plantas reagem quimicamente ao ataque dos insetos. O bioquímico Clarence Ryan e colaboradores, da Universidade Estadual de Washington, descreveram suas pesquisas sobre o que se passa quando, por exemplo, uma lagarta procura mastigar uma folha de fumo. Logo se manifestam no inseto sinais violentos de indigestão, que o fazem abandonar o ataque e procurar alimento noutro lugar.
Ryan começou suas pesquisas há 20 anos, procurando encontrar alguma substância capaz de deflagrar a "reação de estresse". Investigou substâncias relativamente simples, do tipo dos chamados hormônios vegetais, auxinas e citocininas, responsáveis por fenômenos de crescimento e desenvolvimento celular. Nunca lhe passou pela cabeça investigar a presença de substâncias mais complexas, como os polipéptides que atuam como hormônios animais. Péptides são ácidos aminados unidos mediante expulsão de certos grupos moleculares. Os polipéptides são substâncias compostas de vários péptides.
Há quatro anos, Ryan começou a pesquisar a presença de substâncias mais complexas e conseguiu isolar um material que estimula a produção de inibidores de proteinases, as enzimas que decompõem as proteínas. Quando inibidas essas enzimas, como aconteceu na lagarta que queria comer a folha de fumo, deflagra-se a reação de estresse. Ficou bem provado que esse material inibidor é um péptide que recebeu o nome de sistemina porque é transportado sistematicamente na planta, à maneira dos hormônios vegetais. Como esses hormônios, a sistemina é também muito ativa -uma parte em 10 trilhões pode desencadear uma reação de estresse na planta- e é sintetizada como parte de uma proteína precursora maior, da qual se separa.
Edward Farmer demonstrou que a gordura vegetal metiljasmonato induz produção do inibidor da proteinase, o que a sistemina também faz. Entende Ryan que esta pode agir estimulando a síntese do metiljasmonato. O melhor conhecimento desses mecanismos de reação química pode abrir caminhos novos no desenho de mais eficientes estratégias na luta contra as pragas.


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