São Paulo, quinta-feira, 09 de maio de 2002

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BIOTECNOLOGIA

Sequência de DNA da bactéria que produz dois terços das drogas do tipo foi decifrada por grupo britânico

Genoma esquenta busca por antibióticos

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Numa época em que, semana sim, semana não, alguém anuncia o sequenciamento do genoma de um organismo, não é o caso de arregalar os olhos toda vez que pesquisadores anunciam a conclusão da leitura de todas as letras que compõem o genoma de mais uma bactéria. Acontece que, desta vez, o micróbio é bem importante.
Apesar do nome antipático de Streptomyces coelicolor, essa bactéria é uma boa moça: dois terços dos antibióticos usados hoje para combater infecções são subprodutos de seu metabolismo. "E, no solo, ela é um agente importantíssimo na reciclagem da biomassa", afirma o biólogo David Hopwood, do John Innes Centre, no Reino Unido, um dos autores do trabalho de sequenciamento.
Embora faça o papel de mocinha entre os humanos, ela tem uma família com maus antecedentes: sua ordem é a mesma dos causadores da tuberculose (Mycobacterium tuberculosis) e da hanseníase (M. leprae).
O que é uma coisa boa, no fim das contas. Nessa condição pouco usual, ela serve como "delatora" de seus familiares, denunciando com seus genes o que há de tão diferente nos outros a ponto de causar doenças em humanos.
Para completar, o micróbio ainda traz uma surpresa para os interessados em códigos genéticos. A S. coelicolor tem o maior número de genes encontrados em uma bactéria. Os cientistas estimam a existência de 7.825 genes, distribuídos em 8,6 milhões de pares de bases ("letras genéticas", com as quais os genes são escritos), dispostos em um cromossomo.
Esse número bate fácil o da conhecida Escherichia coli (um dos organismos mais usados pelos cientistas em experimentos), que tem pouco mais de 4.289 genes. Os supostamente complexos seres humanos têm, segundo os cientistas do Projeto Genoma Humano e da empresa Celera, pouco mais de 30 mil genes (embora esse número ainda seja fonte de polêmica), em 23 cromossomos. Para um organismo unicelular como a S. coelicolor, mais de um quarto desse valor não é nada ruim.
O número de genes foi uma surpresa para os cientistas, mas não foi a única. Também se observou uma proporção incomumente alta de genes de "controle" (responsáveis pela ativação e desativação de outros genes) e um bom número de grupos de genes para antibióticos desconhecidos.
E olhe que essa equipe não é de se assustar com qualquer coisa. A maior parte de seus integrantes estava acostumada a empreitadas genômicas. Dos 43 pesquisadores, 34 são do britânico Sanger Institute, um dos mais importantes centros de pesquisa do mundo na área de genômica e participante ativo do projeto que decifrou o conjunto do DNA humano.
O trabalho levou quatro anos para ser concluído, mas não foi por dificuldades técnicas, segundo seus realizadores. "Foi determinado pelos financiamentos. Poderia ter sido muito mais rápido", conta Hopwood. "O trabalho foi bem simples, mas só por causa da habilidade e da experiência do pessoal do Sanger, onde o sequenciamento foi feito."

Pesquisar por pesquisar?
Os projetos de sequenciamento podem até estar revolucionando o conhecimento humano, mas até agora não deram a esperada contrapartida na medicina, onde as promessas são mais empolgantes.
Entretanto, há esperança para o conhecimento gerado pela decifração dos genes do S. coelicolor. "Os Streptomyces são especialmente importantes. Conhecer a sequência de seu genoma dá acesso a muitos novos conjuntos de genes biossintéticos interessantes para uso em estratégias de fabricação de "produtos naturais não-naturais'", afirma Hopwood.
A busca por novas fontes de substâncias ativas de antibióticos é fundamental, uma vez que a cada momento há mais resistência entre as bactérias contra as drogas usadas atualmente. A seleção natural corre de um lado para preservar os agentes infecciosos mais resistentes e os humanos correm de outro, tentando inventar antibióticos para derrotar os vencedores da disputa anterior.
Hopwood acha que os frutos do trabalho, publicado hoje na revista "Nature" (www.nature.com), devem surgir logo. "Compostos resultantes devem ir a testes clínicos preliminares em breve, mas claro que ainda há um longo período até que uma droga bem-sucedida possa emergir", diz.



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