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BIOTECNOLOGIA
Sequência de DNA da bactéria que produz dois terços das drogas do tipo foi decifrada por grupo britânico
Genoma esquenta busca por antibióticos
SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Numa época em que, semana
sim, semana não, alguém anuncia
o sequenciamento do genoma de
um organismo, não é o caso de arregalar os olhos toda vez que pesquisadores anunciam a conclusão
da leitura de todas as letras que
compõem o genoma de mais uma
bactéria. Acontece que, desta vez,
o micróbio é bem importante.
Apesar do nome antipático de
Streptomyces coelicolor, essa bactéria é uma boa moça: dois terços
dos antibióticos usados hoje para
combater infecções são subprodutos de seu metabolismo. "E, no
solo, ela é um agente importantíssimo na reciclagem da biomassa",
afirma o biólogo David Hopwood, do John Innes Centre, no
Reino Unido, um dos autores do
trabalho de sequenciamento.
Embora faça o papel de mocinha entre os humanos, ela tem
uma família com maus antecedentes: sua ordem é a mesma dos
causadores da tuberculose
(Mycobacterium tuberculosis) e
da hanseníase (M. leprae).
O que é uma coisa boa, no fim
das contas. Nessa condição pouco
usual, ela serve como "delatora"
de seus familiares, denunciando
com seus genes o que há de tão diferente nos outros a ponto de causar doenças em humanos.
Para completar, o micróbio ainda traz uma surpresa para os interessados em códigos genéticos. A
S. coelicolor tem o maior número
de genes encontrados em uma
bactéria. Os cientistas estimam a
existência de 7.825 genes, distribuídos em 8,6 milhões de pares de
bases ("letras genéticas", com as
quais os genes são escritos), dispostos em um cromossomo.
Esse número bate fácil o da conhecida Escherichia coli (um dos
organismos mais usados pelos
cientistas em experimentos), que
tem pouco mais de 4.289 genes.
Os supostamente complexos seres humanos têm, segundo os
cientistas do Projeto Genoma Humano e da empresa Celera, pouco
mais de 30 mil genes (embora esse
número ainda seja fonte de polêmica), em 23 cromossomos. Para
um organismo unicelular como a
S. coelicolor, mais de um quarto
desse valor não é nada ruim.
O número de genes foi uma surpresa para os cientistas, mas não
foi a única. Também se observou
uma proporção incomumente alta de genes de "controle" (responsáveis pela ativação e desativação
de outros genes) e um bom número de grupos de genes para antibióticos desconhecidos.
E olhe que essa equipe não é de
se assustar com qualquer coisa. A
maior parte de seus integrantes
estava acostumada a empreitadas
genômicas. Dos 43 pesquisadores, 34 são do britânico Sanger
Institute, um dos mais importantes centros de pesquisa do mundo
na área de genômica e participante ativo do projeto que decifrou o
conjunto do DNA humano.
O trabalho levou quatro anos
para ser concluído, mas não foi
por dificuldades técnicas, segundo seus realizadores. "Foi determinado pelos financiamentos.
Poderia ter sido muito mais rápido", conta Hopwood. "O trabalho
foi bem simples, mas só por causa
da habilidade e da experiência do
pessoal do Sanger, onde o sequenciamento foi feito."
Pesquisar por pesquisar?
Os projetos de sequenciamento
podem até estar revolucionando o
conhecimento humano, mas até
agora não deram a esperada contrapartida na medicina, onde as
promessas são mais empolgantes.
Entretanto, há esperança para o
conhecimento gerado pela decifração dos genes do S. coelicolor.
"Os Streptomyces são especialmente importantes. Conhecer a
sequência de seu genoma dá acesso a muitos novos conjuntos de
genes biossintéticos interessantes
para uso em estratégias de fabricação de "produtos naturais não-naturais'", afirma Hopwood.
A busca por novas fontes de
substâncias ativas de antibióticos
é fundamental, uma vez que a cada momento há mais resistência
entre as bactérias contra as drogas
usadas atualmente. A seleção natural corre de um lado para preservar os agentes infecciosos mais
resistentes e os humanos correm
de outro, tentando inventar antibióticos para derrotar os vencedores da disputa anterior.
Hopwood acha que os frutos do
trabalho, publicado hoje na revista "Nature" (www.nature.com),
devem surgir logo. "Compostos
resultantes devem ir a testes clínicos preliminares em breve, mas
claro que ainda há um longo período até que uma droga bem-sucedida possa emergir", diz.
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