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MICRO/MACRO
A união entre a razão e a emoção
MARCELO GLEISER
especial para a Folha
Em 1959, o famoso escritor e
físico inglês C.P. Snow proferiu
uma palestra na Universidade de
Cambridge, no Reino Unido, intitulada "As Duas Culturas e a
Revolução Científica". Segundo
Snow, uma polarização crescente entre as culturas científica e literária estava levando a uma
fragmentação do conhecimento
humano, sintomática de uma
sociedade confusa e doentia.
Snow criou polêmica entre os
defensores dos dois campos. De
um lado, cientistas acusavam os
humanistas de um excessivo intelectualismo que os isolava da
sociedade, criando uma cultura
elitista absolutamente inútil. Já
os humanistas acusavam os
cientistas de criar um mundo
tecnológico destituído de emoções, poluído e perigoso.
O próprio Snow sugeriu uma
solução para o impasse: a criação
de uma terceira cultura, a do
cientista-humanista, que seria
não só capaz de gerar idéias, mas
de traduzi-las de modo acessível
ao público. A terceira cultura seria a ponte entre razão e emoção,
o meio para o cientista revelar a
poesia da ciência, e o poeta, a
ciência da poesia. Como consequência, a terceira cultura seria a
expressão de uma unificação do
conhecimento, produto do trabalho do cientista-humanista.
Em seu livro recente, "Consiliência" (Editora Campus), o
biólogo e divulgador de ciência
Edward O. Wilson propõe precisamente essa unificação do conhecimento, por meio de uma
"cientificação" da cultura humanista. Wilson é, sem dúvida,
um dos melhores exemplos do
cientista-humanista das últimas
décadas. Poucos conseguem, como ele, revelar as paixões e os
anseios de uma vida dedicada à
pesquisa, com glórias e fracassos, o seu lado humano.
Wilson tece seus argumentos
em favor de uma unificação do
conhecimento, visitando tanto a
história da ciência quanto a história das idéias. Segundo ele, a
crise começou no século 18, com
os "excessos" dos proponentes
do Iluminismo -o movimento
intelectual que via a razão como
fonte de todo o conhecimento,
em detrimento da emoção. O resultado foi a criação do movimento Romântico, que desprezava a razão, baseando-se exclusivamente em emoções e sensações para construir uma visão
poética do mundo. Um cinismo
mútuo contribuiu para aumentar a animosidade entre a cultura
da "razão" e a da "emoção".
Claro, ambos os movimentos
erraram em seu radicalismo;
adaptando uma frase de Einstein, que usou argumento semelhante comparando ciência e religião, a razão sem emoção é capenga e a emoção sem razão é
cega. Como em qualquer atividade criativa, não existe uma
clara distinção entre as duas culturas. Não há uma polarização
radical do processo criativo em
ciência ou em qualquer atividade artística; o cérebro humano,
de onde brota a criatividade (assim como as polêmicas!), não
tem compartimentos separados
dedicados exclusivamente à razão ou à emoção. O funcionamento do cérebro é integrado,
isto é, une funções diferentes para chegar a um resultado final específico, como uma orquestra
que integra as cordas aos sopros
e à percussão para produzir uma
sinfonia, a consciência como regente. Portanto, o matemático
estudando teoria algébrica ou o
poeta criando elegias à natureza
estão continuamente integrando
suas faculdades racionais e emocionais.
Infelizmente, esses raciocínios
não ajudam muito a resolver o
problema. O que deve ser feito é
uma integração como a sugerida
por Wilson e outros, a divulgação de idéias científicas de forma
humanística, efetivamente gerando essa terceira cultura. O leitor com acesso à Internet pode
consultar o site www.edge.org,
um fórum de debates entre acadêmicos criado pelo agente literário John Brockman. Embora o
fórum tenha o objetivo ambíguo
de vender mais livros dos seus
clientes (eu sou um ex-cliente) e
irrite bastante certos intelectuais, a iniciativa é excelente.
Mas, para ser eficiente, o fórum
tem de incluir membros de todas
as culturas, sem cinismo.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica
do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e
autor do livro "A Dança do Universo".
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