São Paulo, domingo, 09 de novembro de 2008

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+Marcelo Gleiser

Sobre o tempo


Sementes brotam, flores desabrocham e caem pelo chão

Volta e meia leitores me escrevem pedindo que aborde determinados tópicos. Dentre eles, o tempo é, sem a menor dúvida, um dos mais populares.
Que o significado do tempo -filosófico, científico, existencial- exerça um fascínio não é muito surpreendente. Afinal, o tempo está intimamente ligado com a preocupação mais profunda e inquietante da humanidade, a nossa mortalidade.
A consciência que temos de que nosso tempo de vida é finito está por trás de muitos dos anseios que nos afligem. Não é à toa que muitas religiões tentam, de alguma forma, driblar a morte, propondo existências alternativas, seja no paraíso (ou inferno), seja por meio da imortalidade da alma, que reencarna ciclicamente, ou mesmo por meio da aceitação da morte como uma conseqüência inevitável da vida, algo que deveríamos abraçar e não lutar contra.
Apesar de a ciência não oferecer uma resposta de ordem existencial ou teológica, ao menos oferece uma definição concreta do que seja o tempo. A escolha do que fazer com ela, claro, pertence ao indivíduo, embora eu espere que alternativas sobrenaturais não sejam levadas muito a sério.
Existem duas noções de tempo. A newtoniana assume que o tempo flui inexoravelmente, sempre no mesmo ritmo para todo o mundo, do passado ao futuro. É a tal noção do tempo como um rio. Esse é o tempo que percebemos pelas mudanças à nossa volta, uma ferramenta criada para quantificar as transformações da natureza. Sementes brotam, flores desabrocham e caem pelo chão. Nós também. Ao tempo newtoniano, juntamos as leis da termodinâmica, que mostram que a tendência dos sistemas naturais é equalizar diferenças, é evoluir na direção do equilíbrio.
A vida é um sistema fora do equilíbrio, que precisa estar em permanente contato com o ambiente externo, com fontes de energia, para permanecer viável; se não comemos e excretamos, morremos. Claro, a determinação do zero do tempo, quando começamos a marcar datas, ou de quão rápido o tempo passa é arbitrária.
Nós adotamos um sistema baseado no número 60: dividimos a hora em 60 minutos e o minuto em 60 segundos. Como nas medidas de temperatura, em graus Celsius ou Fahrenheit, poderíamos ter inventado um sistema completamente diferente para marcar a passagem do tempo. Mas o tempo passa da mesma forma. A outra noção de tempo, a relativística, vai além da noção newtoniana, mostrando que a passagem do tempo, o quão rápido ele flui, depende de quem o está medindo.
Duas pessoas, uma na calçada e outra num carro, têm relógios idênticos, que foram ajustados quando o carro estava em repouso. Quando o carro passa pela pessoa na calçada, ela olha para o relógio dentro dele e percebe que o intervalo entre um tique e um toque é mais longo: o tempo passa mais devagar para relógios em movimento. Essa é a famosa dilatação temporal da teoria da relatividade especial de Einstein, de 1905. O tempo é plástico, maleável, dependente de movimentos relativos. Contrariamente à nossa intuição newtoniana, não existe um tempo absoluto.
Em 1915, Einstein foi além, mostrando que a gravidade também afeta a passagem do tempo; quanto maior for a atração gravitacional num local, mais devagar o tempo passa ali: um relógio na superfície do Sol (se funcionasse) bateria mais devagar. Num buraco negro, ele pararia! Esses efeitos mudaram de forma profunda nossa concepção do tempo, algo que abordaremos em breve. Infelizmente, para nós, ele continua a passar, inexoravelmente feito um rio.

MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "A Harmonia do Mundo"



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