São Paulo, domingo, 09 de novembro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Kit de ornitólogo tem espingarda e iPod

Biólogo paulista radicado na Amazônia coordena o levantamento sobre a biodiversidade nas florestas da Calha Norte

Expedições recolhem dados para mapa da distribuição de espécies que servirá de subsídio para definir áreas prioritárias de conservação

DO ENVIADO A MONTE ALEGRE (PA)

O "kit básico" que o ornitólogo Alexandre Aleixo usa para fazer o levantamento de biodiversidade de aves na Calha Norte faz com que seu traje ganhe o volume do de um soldado. Ao entrar no mato, ele leva binóculo, microfone direcional, gravador, alto-falante, bloco de anotações, marmita, cantil e uma espingarda de dois canos meio antiga -propriedade do Museu Paraense Emílio Goeldi, ao qual é afiliado. O único equipamento com ar moderno é um tocador de MP3 iPod.
"Aqui estão gravados mais de 5.000 cantos de pássaros do Norte da Amazônia", conta o pesquisador, que usa a compilação digital para "tirar dúvidas" sobre os sons que ouve durante a expedição. O alto-falante acoplado ao iPod toca os cantos gravados para "chamar" as aves, que se aproximam para serem vistas e catalogadas.
Quase todo o registro de espécies que povoam a área, porém, é feito apenas de ouvido pelo biólogo, capaz de diferenciar contornos melódicos de centenas de cantos. Parte do talento veio das aulas de piano na infância e na adolescência, prelúdio de uma carreira musical que não vingou. "Eu era muito indisciplinado", conta Aleixo.
A preguiça de estudar, porém, desapareceu com a paixão pela biologia. Durante os seis dias em que a Folha esteve em seu acampamento na reserva do Maicuru, o biólogo entrava no mato às 6h00 e só voltava às 18h00. Ensopado de suor, trazia o bloco de anotações cheio e carregava algumas aves abatidas para a coleção do museu.
O trabalho de Aleixo era complementado pelo de Marcelo de Castro Silva, que capturava pássaros com redes. O destino de quase todos era o empalhamento. "Dá mesmo pena", reconhece Silva, mesmo consciente da importância da coleta. O mapeamento que os biólogos fazem na Calha Norte agora é que vai definir as áreas prioritárias para conservação na região. Uma escolha errada feita hoje pode significar a extinção de uma ave no futuro.
"Só dá para fazer zoologia com o rigor científico necessário capturando os espécimes-testemunho", afirma Aleixo. "Toda a biologia de conservação não tem o privilégio de poder pensar no nível de indivíduos."
(RAFAEL GARCIA)



Texto Anterior: Mineradora que tentou cortar área de proteção virou parceira
Próximo Texto: +Marcelo Gleiser: Sobre o tempo
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.