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São Paulo, terça-feira, 09 de dezembro de 2003

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TECNOLOGIA

Sistema desenvolvido por brasileiro nos EUA pode ajudar a evitar mortes com monitoramento em tempo real

Óculos medem a temperatura do cérebro

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Passar a noite se cobrindo e se descobrindo, sem nunca encontrar o nível de aquecimento mais confortável, é parte do cotidiano de praticamente todos os seres humanos que dormem -ou melhor, que tentam dormir. Mas, segundo o médico brasileiro Márcio Abreu, os dias de inferno escaldante no verão ou frio congelante no inverno estão contados.
O pesquisador, que trabalha na Universidade Yale, EUA, desenvolveu um sistema capaz de medir a temperatura do cérebro de um indivíduo em tempo real. Mas não se preocupe: Abreu não vai querer enfiar uma agulha na sua cabeça, ou alguma coisa do tipo. "O procedimento é totalmente não-invasivo", avisa.
Abreu faz uso de uma região, identificada por ele, que oferece uma ligação direta com o cérebro. É uma área no canto de cada um dos olhos, denominada "túnel de temperatura cerebral". É possível manter um adesivo ali, ou mesmo instalar um sensor em óculos, para obter a medição. Um transmissor enviaria então esses dados para um computador, para ele tomar as medidas cabíveis -que podem ser as mais variadas.
"Por exemplo, em automóveis, seria possível que o controle de temperatura da cabine do veículo fosse feito automaticamente, regulando o ar quente ou o ar condicionado", afirma Abreu. "Isso poderia render uma economia de 5% a 10% em combustível."
Uma aplicação similar seria no controle de temperatura de um quarto, acabando com o sofrimento da alternância de calor e frio durante o sono. "O comportamento do corpo, em termos de temperatura, é diferente durante o sono", explica Joseph Roger Titone, um dos pesquisadores americanos que veio com Abreu ao Brasil para estudar a possibilidade de implementar o sistema no país.
A preocupação que levou o brasileiro a desenvolver as bases para o sistema de medição da temperatura corporal (que tem o cérebro como seu principal regulador) vem desde a faculdade.
"No hospital, eu notei que os pacientes tinham muito mais problemas à noite do que durante o dia, quando as enfermeiras tomavam a temperatura constantemente", disse. "Sendo a febre um indicativo forte de uma infecção, pensei que a medição em tempo real seria excelente para tomar as ações corretivas o mais rapidamente possível, sem ter de esperar pela próxima visita da enfermeira, às oito horas da manhã."
Uma das aplicações mais evidentes, de fato, é o monitoramento da temperatura dos pacientes em hospitais. Mas outras possibilidades se abrem quando um sistema desses estiver disponível.
Entre janeiro e fevereiro próximos, óculos com a tecnologia estarão sendo lançados nos EUA. Na França, deve ocorrer até o meio do ano. O objetivo é lançá-los antes do verão europeu, para que as futuras ondas de calor não provoquem mais mortes, como ocorreu durante 2003. "Os óculos avisariam com antecedência sobre qualquer superaquecimento do corpo, e a pessoa poderia tomar água em tempo de evitar a hipertermia", diz Abreu.
O estudo também poderia ser útil na pecuária. Um anel desenvolvido pelos pesquisadores pode ser colocado ao redor dos olhos dos animais, enviando dados sobre sua temperatura constantemente a um receptor. Com isso, seria possível identificar rapidamente animais com febre aftosa ou mesmo encefalopatia espongiforme (mal da vaca louca), em tempo de agir para evitar a contaminação do rebanho todo.
Um dos maiores desafios na criação do sistema é a tecnologia de transmissão dos dados de um número grande de animais. "Estamos estudando exatamente a configuração de rede que seria necessária", afirma Robert H. Sternowski, outro colega de Abreu, especialista em tecnologia de rádio. Ele, Titone e o brasileiro estão desde ontem em Campo Grande (MS), onde vão iniciar um trabalho de pesquisa com a Embrapa.
Com relação às aplicações em seres humanos, o grupo pretende fazer uma demonstração do sistema completo, com transmissão de dados, na próxima terça-feira, em São Paulo.


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