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TECNOLOGIA
Sistema desenvolvido por brasileiro nos EUA pode ajudar a evitar mortes com monitoramento em tempo real
Óculos medem a temperatura do cérebro
SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Passar a noite se cobrindo e se
descobrindo, sem nunca encontrar o nível de aquecimento mais
confortável, é parte do cotidiano
de praticamente todos os seres
humanos que dormem -ou melhor, que tentam dormir. Mas, segundo o médico brasileiro Márcio
Abreu, os dias de inferno escaldante no verão ou frio congelante
no inverno estão contados.
O pesquisador, que trabalha na
Universidade Yale, EUA, desenvolveu um sistema capaz de medir a temperatura do cérebro de
um indivíduo em tempo real. Mas
não se preocupe: Abreu não vai
querer enfiar uma agulha na sua
cabeça, ou alguma coisa do tipo.
"O procedimento é totalmente
não-invasivo", avisa.
Abreu faz uso de uma região,
identificada por ele, que oferece
uma ligação direta com o cérebro.
É uma área no canto de cada um
dos olhos, denominada "túnel de
temperatura cerebral". É possível
manter um adesivo ali, ou mesmo
instalar um sensor em óculos, para obter a medição. Um transmissor enviaria então esses dados para um computador, para ele tomar as medidas cabíveis -que
podem ser as mais variadas.
"Por exemplo, em automóveis,
seria possível que o controle de
temperatura da cabine do veículo
fosse feito automaticamente, regulando o ar quente ou o ar condicionado", afirma Abreu. "Isso
poderia render uma economia de
5% a 10% em combustível."
Uma aplicação similar seria no
controle de temperatura de um
quarto, acabando com o sofrimento da alternância de calor e
frio durante o sono. "O comportamento do corpo, em termos de
temperatura, é diferente durante
o sono", explica Joseph Roger Titone, um dos pesquisadores americanos que veio com Abreu ao
Brasil para estudar a possibilidade
de implementar o sistema no país.
A preocupação que levou o brasileiro a desenvolver as bases para
o sistema de medição da temperatura corporal (que tem o cérebro
como seu principal regulador)
vem desde a faculdade.
"No hospital, eu notei que os
pacientes tinham muito mais problemas à noite do que durante o
dia, quando as enfermeiras tomavam a temperatura constantemente", disse. "Sendo a febre um
indicativo forte de uma infecção,
pensei que a medição em tempo
real seria excelente para tomar as
ações corretivas o mais rapidamente possível, sem ter de esperar
pela próxima visita da enfermeira,
às oito horas da manhã."
Uma das aplicações mais evidentes, de fato, é o monitoramento da temperatura dos pacientes
em hospitais. Mas outras possibilidades se abrem quando um sistema desses estiver disponível.
Entre janeiro e fevereiro próximos, óculos com a tecnologia estarão sendo lançados nos EUA.
Na França, deve ocorrer até o
meio do ano. O objetivo é lançá-los antes do verão europeu, para
que as futuras ondas de calor não
provoquem mais mortes, como
ocorreu durante 2003. "Os óculos
avisariam com antecedência sobre qualquer superaquecimento
do corpo, e a pessoa poderia tomar água em tempo de evitar a hipertermia", diz Abreu.
O estudo também poderia ser
útil na pecuária. Um anel desenvolvido pelos pesquisadores pode
ser colocado ao redor dos olhos
dos animais, enviando dados sobre sua temperatura constantemente a um receptor. Com isso,
seria possível identificar rapidamente animais com febre aftosa
ou mesmo encefalopatia espongiforme (mal da vaca louca), em
tempo de agir para evitar a contaminação do rebanho todo.
Um dos maiores desafios na
criação do sistema é a tecnologia
de transmissão dos dados de um
número grande de animais. "Estamos estudando exatamente a
configuração de rede que seria necessária", afirma Robert H. Sternowski, outro colega de Abreu,
especialista em tecnologia de rádio. Ele, Titone e o brasileiro estão
desde ontem em Campo Grande
(MS), onde vão iniciar um trabalho de pesquisa com a Embrapa.
Com relação às aplicações em
seres humanos, o grupo pretende
fazer uma demonstração do sistema completo, com transmissão
de dados, na próxima terça-feira,
em São Paulo.
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