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São Paulo, segunda-feira, 10 de fevereiro de 2003

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GENÉTICA

Fenômeno verificado em camundongos pode ser causado por "imprinting" e mostra competição entre pais e mães

Roedor macho determina número de filhos

REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Uma estranha guerra dos sexos pode estar acontecendo: pais que determinam o número de filhos, mães que alimentam menos os bebês ao se sentirem exploradas pelo tamanho da prole. E a culpa, dizem cientistas, é do fenômeno chamado estampagem genômica (ou "imprinting"), pelo qual os genes têm efeitos diferentes dependendo de sua origem (materna ou paterna).
Por enquanto, a situação só foi observada em camundongos, mas não é improvável que algo similar esteja acontecendo em outras espécies. "Esperamos conflitos muito parecidos em outros mamíferos", disse à Folha o pesquisador alemão Reinmar Hager, do Departamento de Zoologia da Universidade de Cambridge, no Reino Unido.
Em colaboração com Rufus Johnstone, também de Cambridge, Hager publicou os resultados de seus "experimentos familiares" na revista científica britânica "Nature" (www.nature.com).
O que a dupla fez foi investigar o que estava influenciando as características reprodutivas de duas linhagens bem diferentes de camundongo. Uma delas (chamada de CBA) tende a produzir muitos filhotes pequenos, enquanto a outra (batizada de C57/B6) costuma ter poucos filhotes, e grandes.
Os estudiosos da evolução costumam supor que o número e o tamanho dos filhotes, assim como o nível de cuidado dedicado a cada um deles pelos genitores, seja "decidido" numa espécie de cabo-de-guerra entre pai, mãe e filhos -cada um querendo maximizar as chances de sobreviver e espalhar seus genes.

Briga em família
Os bebês, claro, tentam conseguir o máximo de atenção por parte da mãe e, nas espécies em que isso é possível, também do pai. Para a genitora, por sua vez, não interessa muito que os filhotes suguem toda a sua energia, já que ela correria o risco de não ser mais capaz de procriar.
Já o pai não tende a se preocupar tanto com a exaustão da pobre mãe: o que importa é que muitos bebês (todos carregando seus genes, obviamente) sejam capazes de sobreviver. "Nosso trabalho investiga todos esses conflitos em conjunto, o que não foi tentado antes", diz Hager.
A suspeita da dupla de Cambridge era que os tais genes estampados tivessem um papel nessa briga de família. Para tirar a dúvida, eles promoveram o cruzamento de machos CBA com fêmeas C57/B6 e vice-versa. Os filhotes que nasciam nunca ficavam com a mãe verdadeira, mas eram dados a outras fêmeas -que podiam pertencer ou não à mesma linhagem que ela.
Todo esse troca-troca revelou que os pais, muito provavelmente, são os responsáveis por determinar o número de filhotes e o peso de cada um. Quando o macho pertencia à cepa que tradicionalmente tinha muitos filhotes pequenos, ele conseguia produzir esse efeito mesmo quando a fêmea era do tipo que economizava na quantidade de bebês. O contrário também aconteceu.
Ao observar como as mães lidavam com suas ninhadas trocadas, a dupla flagrou a revanche das fêmeas: mães CBA alimentavam menos seus filhotes do que as genitoras da outra cepa.
Para Hager, a explicação mais plausível para o fenômeno é que genes estampados dos machos estivessem em ação. "Sabemos por outros estudos que genes expressos pelo lado paterno, como o Peg3, têm um papel-chave na transmissão de nutrientes entre o embrião e a mãe", diz o alemão.

Alternativas
O estudo não fez uma análise genética para comprovar isso. "Claramente, as possíveis causas ainda precisam ser melhor explicitadas", escreveu David Haig, pesquisador da Universidade Harvard e especialista em estampagem genômica, em seu comentário para a "Nature".
Haig levanta a possibilidade de que genes dominantes, e não estampados, possam estar agindo; nesse caso, a cópia masculina do gene seria a dominante, controlando o tamanho da ninhada.
Para Hager, mesmo assim, os resultados abrem um novo caminho para entender conflitos genéticos em família: "Precisamos começar a considerar a origem no pai ou na mãe de efeitos específicos, como a estampagem genômica", afirma o pesquisador.


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