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GENÉTICA
Fenômeno verificado em camundongos pode ser causado por "imprinting" e mostra competição entre pais e mães
Roedor macho determina número de filhos
REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Uma estranha guerra dos sexos
pode estar acontecendo: pais que
determinam o número de filhos,
mães que alimentam menos os
bebês ao se sentirem exploradas
pelo tamanho da prole. E a culpa,
dizem cientistas, é do fenômeno
chamado estampagem genômica
(ou "imprinting"), pelo qual os
genes têm efeitos diferentes dependendo de sua origem (materna ou paterna).
Por enquanto, a situação só foi
observada em camundongos,
mas não é improvável que algo similar esteja acontecendo em outras espécies. "Esperamos conflitos muito parecidos em outros
mamíferos", disse à Folha o pesquisador alemão Reinmar Hager,
do Departamento de Zoologia da
Universidade de Cambridge, no
Reino Unido.
Em colaboração com Rufus
Johnstone, também de Cambridge, Hager publicou os resultados
de seus "experimentos familiares" na revista científica britânica
"Nature" (www.nature.com).
O que a dupla fez foi investigar o
que estava influenciando as características reprodutivas de duas linhagens bem diferentes de camundongo. Uma delas (chamada
de CBA) tende a produzir muitos
filhotes pequenos, enquanto a outra (batizada de C57/B6) costuma
ter poucos filhotes, e grandes.
Os estudiosos da evolução costumam supor que o número e o
tamanho dos filhotes, assim como
o nível de cuidado dedicado a cada um deles pelos genitores, seja
"decidido" numa espécie de cabo-de-guerra entre pai, mãe e filhos -cada um querendo maximizar as chances de sobreviver e
espalhar seus genes.
Briga em família
Os bebês, claro, tentam conseguir o máximo de atenção por
parte da mãe e, nas espécies em
que isso é possível, também do
pai. Para a genitora, por sua vez,
não interessa muito que os filhotes suguem toda a sua energia, já
que ela correria o risco de não ser
mais capaz de procriar.
Já o pai não tende a se preocupar tanto com a exaustão da pobre mãe: o que importa é que
muitos bebês (todos carregando
seus genes, obviamente) sejam
capazes de sobreviver. "Nosso
trabalho investiga todos esses
conflitos em conjunto, o que não
foi tentado antes", diz Hager.
A suspeita da dupla de Cambridge era que os tais genes estampados tivessem um papel nessa briga de família. Para tirar a dúvida, eles promoveram o cruzamento de machos CBA com fêmeas C57/B6 e vice-versa. Os filhotes que nasciam nunca ficavam com a mãe verdadeira, mas
eram dados a outras fêmeas
-que podiam pertencer ou não à
mesma linhagem que ela.
Todo esse troca-troca revelou
que os pais, muito provavelmente, são os responsáveis por determinar o número de filhotes e o
peso de cada um. Quando o macho pertencia à cepa que tradicionalmente tinha muitos filhotes
pequenos, ele conseguia produzir
esse efeito mesmo quando a fêmea era do tipo que economizava
na quantidade de bebês. O contrário também aconteceu.
Ao observar como as mães lidavam com suas ninhadas trocadas,
a dupla flagrou a revanche das fêmeas: mães CBA alimentavam
menos seus filhotes do que as genitoras da outra cepa.
Para Hager, a explicação mais
plausível para o fenômeno é que
genes estampados dos machos estivessem em ação. "Sabemos por
outros estudos que genes expressos pelo lado paterno, como o
Peg3, têm um papel-chave na
transmissão de nutrientes entre o
embrião e a mãe", diz o alemão.
Alternativas
O estudo não fez uma análise
genética para comprovar isso.
"Claramente, as possíveis causas
ainda precisam ser melhor explicitadas", escreveu David Haig,
pesquisador da Universidade
Harvard e especialista em estampagem genômica, em seu comentário para a "Nature".
Haig levanta a possibilidade de
que genes dominantes, e não estampados, possam estar agindo;
nesse caso, a cópia masculina do
gene seria a dominante, controlando o tamanho da ninhada.
Para Hager, mesmo assim, os
resultados abrem um novo caminho para entender conflitos genéticos em família: "Precisamos começar a considerar a origem no
pai ou na mãe de efeitos específicos, como a estampagem genômica", afirma o pesquisador.
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