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BIOTECNOLOGIA
Sistema que contou com a participação da Unicamp usa imagens digitais para entender função genômica
RNA investiga gene em milhares de células
REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Pesquisadores no Brasil, nos Estados Unidos e na Finlândia uniram forças para aplicar uma das
mais promissoras técnicas de
análise do genoma a células humanas. Com o auxílio da RNAi,
ou interferência de RNA, eles conseguiram visualizar o funcionamento ou desligamento de sequências de DNA em milhares de
células, numa técnica que pode
ajudar a desvendar a função de diversos genes no futuro.
O estudo, publicado na edição
de outubro da revista científica
norte-americana "Genome Research" (www.genome.org),
combinou o lado biológico, coordenado por Spyro Mousses, dos
NIH (Institutos Nacionais de Saúde dos EUA), com a parte computacional, desenvolvida pelo engenheiro eletrônico Roberto Lotufo,
47, da Unicamp (Universidade
Estadual de Campinas).
Foi o trabalho do brasileiro que
permitiu analisar as imagens das
células de forma detalhada, mapeando o funcionamento dos genes em cada uma delas de forma
confiável. Não é pouca coisa: Lotufo esteve às voltas com cerca de
20 mil fotografias microscópicas,
cada uma delas contendo cerca de
3.000 células, durante sua estada
na Universidade do Texas A&M,
trabalhando com Edward Dougherty, especialista em processamento de imagem e análise de dados genômicos.
A técnica utilizada pelos pesquisadores se baseia no chamado
"microarray" ou "chip de DNA",
tradicionalmente usado para estudar as funções dos genes, na
qual milhares de fragmentos de
DNA são distribuídos numa placa
de vidro, cheia de pequenos "poços". No caso da equipe, porém,
os poços foram preenchidos com
milhares de células HeLa (uma linhagem de células humanas muito utilizada em experimentos).
Proteína verde
Todas foram modificadas com
o gene que contém as instruções
para a produção da GFP (proteína
fluorescente verde). Como o nome diz, a proteína torna a célula
fluorescente, de forma que os pesquisadores podiam estimar, pelas
imagens, se o gene estava ativo.
A grande sacada, no entanto, foi
encher os poços do "microarray"
com os chamados siRNAs (pequenos RNAs de interferência).
Essas moléculas, aparentadas
com o DNA, são capazes de bloquear o funcionamento dos genes
na célula. E o melhor de tudo é
que fazem isso de forma altamente específica, só afetando os genes
correspondentes à sua sequência
de "letras" químicas (leia o texto
abaixo, à esquerda).
Graças a essa característica, a
RNAi ou interferência de RNA é
considerada a técnica ideal para
descobrir a função de determinado gene, simplesmente desligando-o e observando o que acontece
com a célula. Além disso, ela dá
bem menos trabalho que outras
técnicas para desativar genes.
Descobrir uma maneira de utilizar a RNAi em massa em células
humanas ajudaria um bocado para mapear as funções de milhares
de genes, que ainda são desconhecidas, embora o Projeto Genoma
Humano disponha, teoricamente, de toda a sequência de "letras"
químicas que os compõem.
Com esse objetivo na cabeça, a
equipe misturou às células os siRNAs correspondentes à GFP. Eles
foram circundados com moléculas que permitiam que eles atravessassem naturalmente a membrana das células. Foi aí que entrou em cena o trabalho de Lotufo: "A dificuldade maior foi desenvolver um programa que não
confunda duas células, ou que
não deixe as imagens delas sobrepostas ou quebradas", conta o
pesquisador da Unicamp.
De acordo com Lotufo, as imagens eram digitalizadas e analisadas com um método conhecido
como morfologia matemática,
que permite desemaranhar a
grande quantidade de informações presentes em cada imagem.
"De célula para célula, nós conseguimos verificar qual foi a porcentagem de silenciamento, ou
seja, quantas delas deixaram de
produzir a GFP", afirma.
Para o biólogo Tiago Campos
Pereira, que estuda o mecanismo
da RNAi na Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, a técnica é interessante e promissora.
"Hoje, não dá para analisar um
por um dos milhares de genes humanos. Com essa técnica, você
poderia fazer a análise de vários
genes em paralelo", afirma o pesquisador. Isso seria possível acoplando aos genes de interesse o
marcador fluorescente da GFP ou
alguma outra "etiqueta" radioativa ou luminosa, diz Pereira.
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