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São Paulo, segunda-feira, 10 de novembro de 2003

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BIOTECNOLOGIA

Sistema que contou com a participação da Unicamp usa imagens digitais para entender função genômica

RNA investiga gene em milhares de células

REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Pesquisadores no Brasil, nos Estados Unidos e na Finlândia uniram forças para aplicar uma das mais promissoras técnicas de análise do genoma a células humanas. Com o auxílio da RNAi, ou interferência de RNA, eles conseguiram visualizar o funcionamento ou desligamento de sequências de DNA em milhares de células, numa técnica que pode ajudar a desvendar a função de diversos genes no futuro.
O estudo, publicado na edição de outubro da revista científica norte-americana "Genome Research" (www.genome.org), combinou o lado biológico, coordenado por Spyro Mousses, dos NIH (Institutos Nacionais de Saúde dos EUA), com a parte computacional, desenvolvida pelo engenheiro eletrônico Roberto Lotufo, 47, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
Foi o trabalho do brasileiro que permitiu analisar as imagens das células de forma detalhada, mapeando o funcionamento dos genes em cada uma delas de forma confiável. Não é pouca coisa: Lotufo esteve às voltas com cerca de 20 mil fotografias microscópicas, cada uma delas contendo cerca de 3.000 células, durante sua estada na Universidade do Texas A&M, trabalhando com Edward Dougherty, especialista em processamento de imagem e análise de dados genômicos.
A técnica utilizada pelos pesquisadores se baseia no chamado "microarray" ou "chip de DNA", tradicionalmente usado para estudar as funções dos genes, na qual milhares de fragmentos de DNA são distribuídos numa placa de vidro, cheia de pequenos "poços". No caso da equipe, porém, os poços foram preenchidos com milhares de células HeLa (uma linhagem de células humanas muito utilizada em experimentos).

Proteína verde
Todas foram modificadas com o gene que contém as instruções para a produção da GFP (proteína fluorescente verde). Como o nome diz, a proteína torna a célula fluorescente, de forma que os pesquisadores podiam estimar, pelas imagens, se o gene estava ativo.
A grande sacada, no entanto, foi encher os poços do "microarray" com os chamados siRNAs (pequenos RNAs de interferência). Essas moléculas, aparentadas com o DNA, são capazes de bloquear o funcionamento dos genes na célula. E o melhor de tudo é que fazem isso de forma altamente específica, só afetando os genes correspondentes à sua sequência de "letras" químicas (leia o texto abaixo, à esquerda).
Graças a essa característica, a RNAi ou interferência de RNA é considerada a técnica ideal para descobrir a função de determinado gene, simplesmente desligando-o e observando o que acontece com a célula. Além disso, ela dá bem menos trabalho que outras técnicas para desativar genes.
Descobrir uma maneira de utilizar a RNAi em massa em células humanas ajudaria um bocado para mapear as funções de milhares de genes, que ainda são desconhecidas, embora o Projeto Genoma Humano disponha, teoricamente, de toda a sequência de "letras" químicas que os compõem.
Com esse objetivo na cabeça, a equipe misturou às células os siRNAs correspondentes à GFP. Eles foram circundados com moléculas que permitiam que eles atravessassem naturalmente a membrana das células. Foi aí que entrou em cena o trabalho de Lotufo: "A dificuldade maior foi desenvolver um programa que não confunda duas células, ou que não deixe as imagens delas sobrepostas ou quebradas", conta o pesquisador da Unicamp.
De acordo com Lotufo, as imagens eram digitalizadas e analisadas com um método conhecido como morfologia matemática, que permite desemaranhar a grande quantidade de informações presentes em cada imagem. "De célula para célula, nós conseguimos verificar qual foi a porcentagem de silenciamento, ou seja, quantas delas deixaram de produzir a GFP", afirma.
Para o biólogo Tiago Campos Pereira, que estuda o mecanismo da RNAi na Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, a técnica é interessante e promissora.
"Hoje, não dá para analisar um por um dos milhares de genes humanos. Com essa técnica, você poderia fazer a análise de vários genes em paralelo", afirma o pesquisador. Isso seria possível acoplando aos genes de interesse o marcador fluorescente da GFP ou alguma outra "etiqueta" radioativa ou luminosa, diz Pereira.



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