São Paulo, domingo, 11 de janeiro de 2004

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Ciência em Dia

A invasão das traças digitais

Marcelo Leite
editor de Ciência

Ninguém duvida de que a WWW (World Wide Web) é mesmo uma maravilha. Nem de que a maioria das pessoas que consomem informação não pode mais sobreviver sem e-mail e sem conexão à teia mundial de computadores. Como toda tecnologia, no entanto, a internet tem lá seus efeitos não-pretendidos, como o problema dos links desatualizados. São as páginas-fantasma, que já saíram do ar, mas deixaram rastros e ecos no limbo hiperespacial.
Você clica no texto usualmente destacado em azul, ou copia a enfiada de letras antecedidas de "www" ou "http", e nada acontece. Ou pior, acontece: um servidor qualquer, compadecido, avisa numa mensagem de erro que é melhor você entrar em contato com o webmaster.
Seria só mais uma frustração mediada por computador, não fosse por problemas graves que isso pode acarretar. No mundo peculiar da pesquisa, em particular no gueto internacionalizado das ciências naturais, a fidedignidade das referências é crucial, em teoria, pois permite recuperar, cotejar e validar dados, textos e metodologias indicados pelo autor.
Suponha que um cientista remeta o leitor de um artigo científico para detalhes sobre materiais e procedimentos da experiência supostamente disponíveis na WWW, mas que por qualquer razão essa página tenha saído do ar. A cadeia se quebra, e o cientista-leitor fica impedido de verificar a qualidade do trabalho de seu colega -ou competidor.
Quem usa com frequência a internet sabe que esse problema é mais comum do que seria desejável. Um grupo coordenado por Lisa Schilling, da Universidade do Colorado (EUA), coloriu com números essa inconveniência e os apresentou num artigo da revista "Science" (www.sciencemag.org).
Durante as seis semanas anteriores a 16 de janeiro de 2003, o grupo de Schilling vasculhou três publicações científicas de grande penetração: "New England Journal of Medicine" (NEJM), "The Journal of the American Medical Association" (Jama) e a própria "Science". Para comparação, foram investigados os mesmos períodos um ano e dois anos antes. Todas as referências que continham endereços de internet foram anotadas e verificadas ao longo dos meses.
Um terço dos artigos publicados continha pelo menos uma página de internet entre as referências, mas só 2,6% do total dessas referências remetia para links (trabalhos científicos costumam trazer dezenas de notas de rodapé). Após três meses da publicação, 3,8% das referências na internet já estavam inativas. A inatividade subia para 10% aos 15 meses e para 13% aos 27.
Os autores da pesquisa acham que já está na hora de fazer algo para impedir que essa epidemia incipiente de páginas-zumbi se alastre, mas discordam de medidas drásticas como a da publicação especializada "Cancer Research", que proíbe citar links. Eles sugerem a adoção de localizadores permanentes, como os DOIs (Digital Object Identifiers, identificadores de objetos digitais), que já são muito usados por revistas especializadas.
Outra sugestão é recorrer a serviços de recuperação de informações, como o Internet Archive (www.archive.org). Mas prudente, mesmo, para eles, é os editores das revistas científicas exigirem que os autores dos artigos submetidos apresentem já na entrega do manuscrito cópia de todo material de internet incluído nas referências e informem as datas em que os sítios estavam comprovadamente ativos.

E-mail: cienciaemdia@uol.com.br


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