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Ciência em Dia
A invasão das traças digitais
Marcelo Leite
editor de Ciência
Ninguém duvida de que a WWW
(World Wide Web) é mesmo uma
maravilha. Nem de que a maioria das
pessoas que consomem informação não
pode mais sobreviver sem e-mail e sem
conexão à teia mundial de computadores. Como toda tecnologia, no entanto, a
internet tem lá seus efeitos não-pretendidos, como o problema dos links desatualizados. São as páginas-fantasma, que já
saíram do ar, mas deixaram rastros e
ecos no limbo hiperespacial.
Você clica no texto usualmente destacado em azul, ou copia a enfiada de letras
antecedidas de "www" ou "http", e nada
acontece. Ou pior, acontece: um servidor
qualquer, compadecido, avisa numa
mensagem de erro que é melhor você entrar em contato com o webmaster.
Seria só mais uma frustração mediada
por computador, não fosse por problemas graves que isso pode acarretar. No
mundo peculiar da pesquisa, em particular no gueto internacionalizado das ciências naturais, a fidedignidade das referências é crucial, em teoria, pois permite
recuperar, cotejar e validar dados, textos
e metodologias indicados pelo autor.
Suponha que um cientista remeta o leitor de um artigo científico para detalhes
sobre materiais e procedimentos da experiência supostamente disponíveis na
WWW, mas que por qualquer razão essa
página tenha saído do ar. A cadeia se
quebra, e o cientista-leitor fica impedido
de verificar a qualidade do trabalho de
seu colega -ou competidor.
Quem usa com frequência a internet
sabe que esse problema é mais comum
do que seria desejável. Um grupo coordenado por Lisa Schilling, da Universidade do Colorado (EUA), coloriu com números essa inconveniência e os apresentou num artigo da revista "Science"
(www.sciencemag.org).
Durante as seis semanas anteriores a 16
de janeiro de 2003, o grupo de Schilling
vasculhou três publicações científicas de
grande penetração: "New England Journal of Medicine" (NEJM), "The Journal
of the American Medical Association" (Jama) e a própria "Science". Para comparação, foram investigados os mesmos períodos um ano e dois anos antes. Todas as referências que continham endereços de internet foram anotadas e verificadas ao longo dos meses.
Um terço dos artigos publicados continha pelo menos uma página de internet
entre as referências, mas só 2,6% do total
dessas referências remetia para links
(trabalhos científicos costumam trazer
dezenas de notas de rodapé). Após três
meses da publicação, 3,8% das referências na internet já estavam inativas. A
inatividade subia para 10% aos 15 meses
e para 13% aos 27.
Os autores da pesquisa acham que já
está na hora de fazer algo para impedir
que essa epidemia incipiente de páginas-zumbi se alastre, mas discordam de medidas drásticas como a da publicação especializada "Cancer Research", que proíbe citar links. Eles sugerem a adoção de
localizadores permanentes, como os DOIs (Digital Object Identifiers, identificadores de objetos digitais), que já são muito usados por revistas especializadas.
Outra sugestão é recorrer a serviços de
recuperação de informações, como o Internet Archive (www.archive.org). Mas
prudente, mesmo, para eles, é os editores
das revistas científicas exigirem que os
autores dos artigos submetidos apresentem já na entrega do manuscrito cópia de
todo material de internet incluído nas referências e informem as datas em que os
sítios estavam comprovadamente ativos.
E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
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