São Paulo, domingo, 11 de janeiro de 2009

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+Marcelo Gleiser

Cosmologia de alta precisão


A descoberta de Penzias e Wilson deu início a uma revolução no estudo da cosmologia


A cosmologia, o estudo do Universo e das suas propriedades, sempre teve uma reputação duvidosa entre físicos e astrônomos. A razão principal desse ceticismo é, ou foi, bem razoável: historicamente, a cosmologia foi mais um exercício puramente teórico do que uma ciência experimental, onde ideias são testadas através de observações e experimentos. Durante boa parte do século 20, modelos cosmológicos tentaram, da melhor forma possível, adequar-se aos poucos dados que existiam sobre o Universo em que vivemos. Até meados da década de 1960, nem se podia escolher entre dois modelos rivais, o modelo do estado-padrão -que prevê um Universo eterno- e o modelo do Big Bang -que prevê um Universo com uma idade finita.
As coisas começaram a mudar quando, em 1965, Arno Penzias e Robert Wilson descobriram a radiação deixada quando os primeiros átomos foram formados. Chamada de radiação cósmica de fundo, ela permeia o Universo como o ar que enche um copo vazio. A cada centímetro cúbico de espaço existem cerca de 400 fótons dessa radiação, não muito diferentes dos criados num forno de micro-ondas. A descoberta de Penzias e Wilson deu início a uma revolução no estudo da cosmologia. Para começar, a radiação confirmou o Big Bang como o melhor modelo para descrever o nosso Universo: o cosmo tem um passado, uma data de nascimento. Usando dados modernos, os cientistas estimaram que a radiação tivesse surgido quando o cosmo tinha cerca de 400 mil anos de idade. Ela é um fóssil de uma era muito anterior à do nascimento das estrelas e dos planetas.
A propriedade mais fundamental do Universo é que, desde o seu surgimento, ele está em expansão. Astrônomos estudam a expansão medindo a luz e outras formas de radiação emitidas por galáxias distantes. Combinando medidas das distâncias e das velocidades de afastamento das galáxias é possível determinar a idade do Universo: 13,73 bilhões de anos, com um erro de menos de 1%, um feito sensacional, graças ao telescópio Hubble. O Universo é aproximadamente três vezes mais velho do que a Terra.
A história do Universo pode ser resumida da seguinte forma: de uma infância onde a matéria estava sujeita a temperaturas e pressões altíssimas, o cosmo foi expandindo e se resfriando. Esse resfriamento causou mudanças no comportamento da matéria, levando as partículas elementares a se organizarem em estruturas cada vez mais complexas: núcleos atômicos com prótons e nêutrons; átomos; moléculas; galáxias; estrelas; elementos químicos pesados; planetas; vida.
De minúsculas flutuações na temperatura da radiação cósmica de fundo é possível estudar os detalhes de como nasceram as primeiras galáxias. Tais medidas, com a incrível precisão de um centésimo de milésimo de grau, são feitas por satélites no espaço, como o WMAP, e por detectores voando em balões lançados da Antártida.
As medidas também determinaram a composição material do Universo. E aqui existem ainda muitos mistérios. A matéria comum, da qual somos feitos, consiste em apenas 5% da matéria total. Do resto, 23,3% (com 1,3% de precisão) consiste de "matéria escura", composta de partículas diferentes dos prótons e elétrons. Não sabemos que partículas são essas, se bem que existem muitas candidatas. Mas os últimos 72% são os mais enigmáticos. Descoberta em 1998, essa "energia escura" acelera a expansão cósmica, afastando galáxias ainda mais rapidamente. Muito possivelmente, o estudo da matéria e da energia escura nos levará a mais uma revolução. Mas, para tal, são necessários experimentos ainda mais precisos do que os que temos hoje.

MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "A Harmonia do Mundo"


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