São Paulo, terça-feira, 11 de maio de 2004

Próximo Texto | Índice

TECNOLOGIA

Brasileiros criam método para autenticar obras com "assinatura" física invisível; filho de Portinari é co-autor

Imagem magnética aponta pintura falsa

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

O que os olhos não vêem, o coração não sente. Já um aparelho que detecta campos magnéticos fracos, em compensação, não só sente como pode ajudar a identificar falsificações de obras de arte que de outro modo seriam percebidas como idênticas às originais.
A idéia, que mais parece um cruzamento de filme de ficção científica com desenho animado do Scooby Doo, vem de um grupo de pesquisadores brasileiros. Eles acabam de publicar um pequeno estudo na revista especializada "Superconductor Science and Technology", que já está disponível on-line (www.iop.org/EJ/journal/SUST) e será impresso em sua edição de julho.
A proposta parte do pressuposto de que pequenas diferenças nas tintas usadas para fazer uma pintura produzem uma "assinatura" magnética única. Por mais que outra pintura seja visualmente semelhante, seria praticamente impossível que ambas contivessem os mesmos traços magnéticos.
Para testar essa hipótese, resolveram fazer alguns testes com pinturas a óleo. "As tintas a óleo são, em muitos casos, magnéticas. Se fazemos a varredura de uma pintura, encontramos um sinal magnético, que é característica daquela pintura", afirma Henrique Lins de Barros, pesquisador do CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas) e co-autor do estudo, encabeçado por Paulo Costa Ribeiro, da PUC/RJ.
"Se alguém faz uma cópia perfeita sob o ponto de vista fotográfico, sobre uma base idêntica, basta mudar um pouco a tinta usada -em vez de um preto, um outro preto, em vez de um vermelho, um outro vermelho- mantendo a cor visual; se utilizar um pouco mais de tinta aqui ou ali, a imagem magnética muda. Ou seja, magneticamente podemos dizer que a cópia é uma cópia."
Para obter as leituras do campo magnético, a equipe primeiro pré-magnetiza as pinturas, usando um campo de cem Gauss (medida usada para expressar a intensidade de campos magnéticos). É um valor modesto, mas ainda assim bem superior ao campo magnético da Terra, que na região Sudeste do Brasil tem intensidade de modestos 0,25 Gauss e chega no máximo a uns 0,7 Gauss.
Depois da magnetização, por intermédio de um aparelho chamado Squid (sigla em inglês de Dispositivo Supercondutor de Interferência Quântica), os pesquisadores obtêm as imagens magnéticas das pinturas.
"O aparelho permite detectar campos magnéticos muito fracos", diz Lins de Barros. "É constituído basicamente por uma bobina de material especial que é mantida em temperaturas muito baixas, algo como -270C. Nessa temperatura, o material da bobina é supercondutor, ou seja, não apresenta resistência nenhuma a uma corrente elétrica. Podemos dar uma corrente e a corrente fica girando na bobina o tempo que quisermos. Com isso, posso medir variações muito sutis no campo magnético, por indução."
Embora os testes relatados no estudo tenham sido feitos todos com pinturas a óleo, os pesquisadores estão experimentando outras possibilidades, que incluem até mesmo a análise de imagens magnéticas de gravuras e esculturas. "Já fizemos umas medidas de esculturas, e é possível encontrar uma imagem", diz o físico do CBPF. "O que atrapalha é a presença de ferro -como pregos em molduras de quadros ou na estrutura de esculturas."

Portinari no circuito
O trabalho já despertou interesse no mundo da arte, como uma potencial forma de autenticar obras. Afinal, uma vez que haja um catálogo das imagens magnéticas das obras, dificilmente alguém conseguirá engambelar um comprador que submeta o quadro a um teste por comparação.
Não é à toa que um dos autores do estudo é João Cândido Portinari, filho do pintor brasileiro Cândido Portinari (1903-1962). Além de matemático pela PUC/ RJ, ele é o responsável pelo Projeto Portinari, que tem por objetivo catalogar as obras do artista (www.portinari.org.br).


Próximo Texto: Autor do estudo é especialista em Santos Dumont
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.