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Após 25 anos, vacina contra HIV permanece inalcançável
Seqüência de falhas em testes promissores fez Nobel dizer que não há esperança de
sucesso; para cientistas, é preciso elucidar
biologia do vírus
Métodos que ajudam a evitar contágio, como gel e circuncisão, têm problemas, afirma infectologista brasileiro
EDUARDO GERAQUE
DA REPORTAGEM LOCAL
Indomável é o melhor adjetivo para qualificar o vírus HIV.
Após 25 anos da publicação, na
revista "Science", do primeiro
isolamento desse parasita, a comunidade científica só acumula frustrações. Nenhuma barreira bioquímica desenvolvida
até agora conseguiu conter a infecção. O desenvolvimento da
tão almejada vacina ainda é
apenas um sonho distante.
"A comunidade científica está deprimida, porque nós não
vemos esperança de sucesso",
declarou em fevereiro o biólogo
americano David Baltimore,
que ganhou o Nobel por ter
descoberto o mecanismo de replicação de vírus como o HIV.
"Penso que o maior erro que
cometemos até agora foi colocar muito foco nos testes em
larga escala de vacinas e não
dar atenção suficiente para a
pesquisa básica. Nós precisamos aprender com isso", afirma à Folha Dennis Burton, do
Instituto de Pesquisa Scripps,
na Califórnia (EUA).
O pesquisador assina um dos
artigos do especial de 25 anos
da descoberta do HIV, publicado na última sexta-feira pela
mesma "Science".
O retrocesso científico do
fim do ano passado é exemplar.
O teste mais avançado de uma
vacina contra a Aids, criada pela farmacêutica Merck, foi suspenso após 82 voluntários (49
vacinados e 33 do grupo de
controle) terem sido contaminados pelo vírus.
"O número foi pequeno e não
foi a vacina que causou a contaminação, o que seria inaceitável", diz Esper Kallás, infectologista, professor da Unifesp e
coordenador dos testes com a
vacina no Brasil. No mundo,
3.000 pessoas receberam doses
do medicamento.
"A defesa imunológica que a
vacina conferiu aos participantes não foi suficiente. O vírus
continuou passando [pelas defesas do corpo]", afirma.
Apesar de desde o começo
das pesquisas, há 25 anos, o
HIV ser qualificado como versátil, o desafio a cada novo estudo é maior. O vírus não pára
de surpreender por causa da
sua alta velocidade em desenvolver novas formas genéticas.
"O HIV consegue driblar o
sistema imunológico com mais
habilidade do que nós imaginávamos", diz Kallás, que concorda com a necessidade da volta
rápida para a pesquisa básica.
"Apesar de o vírus ser o mais
estudado do mundo, temos de
aprender mais sobre o comportamento dele", diz.
Toda a comunidade científica concorda com a volta para a
bancada. E, mesmo depois dos
últimos insucessos, em continuar na busca pela vacina. A
urgência é grande. Números da
OMS (Organização Mundial de
Saúde) mostram que a cada dia
mais de 6.800 pessoas são contaminadas. E 5.750 morrem.
Como os resultados do fim
de 2007 que levaram o projeto
da vacina a dar errado ainda
não estão prontos, afirma o infectologista da Unifesp, a lista
de perguntas que precisam ser
respondidas é enorme.
"Nós colocamos pequenos
fragmentos do HIV na vacina
que foi aplicada. Será que precisava ser mais? Será que foi a
quantidade de vacina em cada
uma das doses? Será que temos
de fazer combinações de vacinas? Ou mudar a forma de
apresentar os fragmentos do
vírus para o organismo"?
Para John Moore, outro pesquisador que participou do especial da "Science", a questão
do desconhecimento sobre como fazer uma vacina é a que
tem mais peso no momento.
"Efetivamente, nós não sabemos como fazer uma vacina
que seja realmente eficiente",
diz o pesquisador da Universidade Cornell (EUA).
Circuncisão e gel
O fracasso de uma vacina não
é o fim do mundo, segundo os
cientistas ouvidos pela Folha.
Pelo menos há uma base de onde é possível continuar.
"Não podemos abandonar a
vacina. Ela tem de continuar a
ser um sonho", afirma Kallás.
"Não podemos dar uma declaração de derrota e voltar as costas para aquilo que pode ser a
maior esperança para combater a epidemia. Hoje são 33 milhões de pessoas contaminadas. Daqui a 20 anos, talvez sejam 150 milhões."
Segundo Kallás, existem
poucas opções que possam ser
aplicadas como políticas de
saúde pública, apesar de a circuncisão, por exemplo, já ter se
mostrado eficaz em barrar a
transmissão e vários géis vaginais estarem em teste hoje com
o mesmo fim. "A circuncisão e
o uso de géis têm problemas.Temos que partir do princípio que a maioria das pessoas
gosta de fazer sexo e o vírus se
transmite por via sexual."
Mesmo com pelo menos 20
projetos em curso hoje no
mundo para o desenvolvimento de uma vacina contra a Aids,
é difícil encontrar um otimismo rasgado entre os atores da
comunidade científica.
O pesquisador da Escola Médica de Harvard, Bruce Walker,
é um dos que fogem um pouco
dessa regra. "Certas pessoas estão infectadas com o HIV há 30
anos e não estão doentes. Estou otimista que poderemos
usar esse dado para criar uma
vacina efetiva", diz. "Mas isso,
como foi visto nos últimos 25
anos, não será fácil."
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