São Paulo, domingo, 11 de maio de 2008

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Após 25 anos, vacina contra HIV permanece inalcançável

Seqüência de falhas em testes promissores fez Nobel dizer que não há esperança de sucesso; para cientistas, é preciso elucidar biologia do vírus

Métodos que ajudam a evitar contágio, como gel e circuncisão, têm problemas, afirma infectologista brasileiro

EDUARDO GERAQUE
DA REPORTAGEM LOCAL

Indomável é o melhor adjetivo para qualificar o vírus HIV. Após 25 anos da publicação, na revista "Science", do primeiro isolamento desse parasita, a comunidade científica só acumula frustrações. Nenhuma barreira bioquímica desenvolvida até agora conseguiu conter a infecção. O desenvolvimento da tão almejada vacina ainda é apenas um sonho distante.
"A comunidade científica está deprimida, porque nós não vemos esperança de sucesso", declarou em fevereiro o biólogo americano David Baltimore, que ganhou o Nobel por ter descoberto o mecanismo de replicação de vírus como o HIV.
"Penso que o maior erro que cometemos até agora foi colocar muito foco nos testes em larga escala de vacinas e não dar atenção suficiente para a pesquisa básica. Nós precisamos aprender com isso", afirma à Folha Dennis Burton, do Instituto de Pesquisa Scripps, na Califórnia (EUA).
O pesquisador assina um dos artigos do especial de 25 anos da descoberta do HIV, publicado na última sexta-feira pela mesma "Science".
O retrocesso científico do fim do ano passado é exemplar. O teste mais avançado de uma vacina contra a Aids, criada pela farmacêutica Merck, foi suspenso após 82 voluntários (49 vacinados e 33 do grupo de controle) terem sido contaminados pelo vírus.
"O número foi pequeno e não foi a vacina que causou a contaminação, o que seria inaceitável", diz Esper Kallás, infectologista, professor da Unifesp e coordenador dos testes com a vacina no Brasil. No mundo, 3.000 pessoas receberam doses do medicamento.
"A defesa imunológica que a vacina conferiu aos participantes não foi suficiente. O vírus continuou passando [pelas defesas do corpo]", afirma.
Apesar de desde o começo das pesquisas, há 25 anos, o HIV ser qualificado como versátil, o desafio a cada novo estudo é maior. O vírus não pára de surpreender por causa da sua alta velocidade em desenvolver novas formas genéticas.
"O HIV consegue driblar o sistema imunológico com mais habilidade do que nós imaginávamos", diz Kallás, que concorda com a necessidade da volta rápida para a pesquisa básica. "Apesar de o vírus ser o mais estudado do mundo, temos de aprender mais sobre o comportamento dele", diz.
Toda a comunidade científica concorda com a volta para a bancada. E, mesmo depois dos últimos insucessos, em continuar na busca pela vacina. A urgência é grande. Números da OMS (Organização Mundial de Saúde) mostram que a cada dia mais de 6.800 pessoas são contaminadas. E 5.750 morrem.
Como os resultados do fim de 2007 que levaram o projeto da vacina a dar errado ainda não estão prontos, afirma o infectologista da Unifesp, a lista de perguntas que precisam ser respondidas é enorme.
"Nós colocamos pequenos fragmentos do HIV na vacina que foi aplicada. Será que precisava ser mais? Será que foi a quantidade de vacina em cada uma das doses? Será que temos de fazer combinações de vacinas? Ou mudar a forma de apresentar os fragmentos do vírus para o organismo"?
Para John Moore, outro pesquisador que participou do especial da "Science", a questão do desconhecimento sobre como fazer uma vacina é a que tem mais peso no momento.
"Efetivamente, nós não sabemos como fazer uma vacina que seja realmente eficiente", diz o pesquisador da Universidade Cornell (EUA).

Circuncisão e gel
O fracasso de uma vacina não é o fim do mundo, segundo os cientistas ouvidos pela Folha. Pelo menos há uma base de onde é possível continuar.
"Não podemos abandonar a vacina. Ela tem de continuar a ser um sonho", afirma Kallás. "Não podemos dar uma declaração de derrota e voltar as costas para aquilo que pode ser a maior esperança para combater a epidemia. Hoje são 33 milhões de pessoas contaminadas. Daqui a 20 anos, talvez sejam 150 milhões."
Segundo Kallás, existem poucas opções que possam ser aplicadas como políticas de saúde pública, apesar de a circuncisão, por exemplo, já ter se mostrado eficaz em barrar a transmissão e vários géis vaginais estarem em teste hoje com o mesmo fim. "A circuncisão e o uso de géis têm problemas.Temos que partir do princípio que a maioria das pessoas gosta de fazer sexo e o vírus se transmite por via sexual."
Mesmo com pelo menos 20 projetos em curso hoje no mundo para o desenvolvimento de uma vacina contra a Aids, é difícil encontrar um otimismo rasgado entre os atores da comunidade científica.
O pesquisador da Escola Médica de Harvard, Bruce Walker, é um dos que fogem um pouco dessa regra. "Certas pessoas estão infectadas com o HIV há 30 anos e não estão doentes. Estou otimista que poderemos usar esse dado para criar uma vacina efetiva", diz. "Mas isso, como foi visto nos últimos 25 anos, não será fácil."


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