São Paulo, domingo, 11 de setembro de 2005 |
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Micro/Macro Luz: um pouco mais de mistério
MARCELO GLEISER
Ao final do século 19, a maioria dos físicos sabia que a chamada física clássica estava em crise: várias descobertas feitas no laboratório mostravam que certos fenômenos não podiam ser descritos pelos pilares do conhecimento físico de então, a mecânica de Newton e o eletromagnetismo de Michael Faraday e James Clerk Maxwell. Desses fenômenos, o efeito fotoelétrico era dos mais abstrusos: uma placa metálica onde foi depositada carga elétrica perde essa carga se iluminada por luz ultravioleta, mas, se a luz for amarela, vermelha ou azul, nada ocorre. Einstein, que gostava de freqüentar bares com os amigos, deve ter se inspirado num jogo de bilhar ao propor sua explicação para o efeito fotoelétrico. Pense numa placa metálica carregada como uma mesa de bilhar cheia de bolas. Cada bola é um elétron, que dá carga extra à placa. Uma mesa sem bolas é equivalente a uma placa sem carga extra. Einstein propôs que a luz incidente na placa também fosse feita de pequenas "bolas", partículas de luz que hoje chamamos de fótons. Na época, a idéia era inesperada: a luz era considerada uma onda, tem propriedades como refração e difração, coisas que vemos todos os dias ao olharmos raios de luz no fundo de uma piscina. Como assim "bolas" de luz? Einstein justificou-se dizendo que sua idéia era heurística. isto é, uma explicação tentativa, sem maior suporte teórico. Se funcionasse, explicaria os dados experimentais. Da teoria ondulatória da luz, sabia-se que cada cor está relacionada com uma onda de determinada freqüência, que aumenta do vermelho ao violeta. Pense nessas ondas como o fole de um acordeão: o fole aberto corresponde a ondas de maior comprimento e menor freqüência, os tons mais graves; o fole fechado corresponde à ondas de maior freqüência, mais agudas. Einstein, inspirando-se na idéia de Max Planck de que átomos recebem e emitem energia em pequenos pacotes, sugeriu que a luz também pode ser interpretada como sendo composta de pacotes, cada cor uma partícula com energia que aumenta com a freqüência. Um fóton correspondendo à luz ultravioleta tem mais energia do que um da luz vermelha ou amarela. O resto é fácil: só fótons ultravioleta têm energia para arrancar elétrons da placa metálica. O mesmo ocorre com a mesa de bilhar: só uma tacada bem forte arranca as bolas da mesa. A teoria de Einstein explica os dados perfeitamente. Porém, cria outro problema: afinal, a luz é onda ou partícula? A melhor resposta é: nem uma coisa nem outra. Onda e partícula são imagens que criamos com base na nossa intuição, forjada pelo que vemos ao nosso redor. Mas, no mundo quântico, tais imagens são irrelevantes. Apenas o que medimos com instrumentos faz sentido. Nossas teorias são construções que explicam o que medimos, baseadas em conceitos restritos pela nossa percepção do mundo. A natureza da luz, se é que é possível caracterizá-la, permanece um mistério. Marcelo Gleiser é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "O Fim da Terra e do Céu" Texto Anterior: Australiano é ideólogo da libertação dos animais Próximo Texto: Ciência em Dia - Marcelo Leite: Olho no olho da Amazônia Índice |
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