|
Próximo Texto | Índice
Dupla de brasileiros decifra o genoma de levedura do álcool
Cepa industrial de microrganismo resiste a ambiente hostil e ajuda usineiros a produzir etanol que abastece automóvel
Organização diferenciada
de trechos do DNA ajuda
micróbio a manter potencial
de adaptação; grupo busca
aplicações biotecnológicas
EDUARDO GERAQUE
DA REPORTAGEM LOCAL
A levedura responsável por
10% de toda a produção de álcool combustível no mundo
não é mais uma incógnita genética para os cientistas. Usado há
décadas de forma empírica, o
microrganismo conhecido como PE-2 ou Pedra-2, uma variante robusta do fungo microscópico Saccharomyces cerevisiae, teve o conjunto de seu
DNA finalmente "soletrado".
O genoma será uma plataforma de trabalho importante, dizem os autores do sequenciamento, Gonçalo Pereira (Universidade Estadual de Campinas) e Juan Argueso (Unicamp
e Universidade Duke, EUA).
Vários outros cientistas também assinam o artigo sobre o
trabalho, publicado na revista
"Genome Research".
"Temos agora muitas informações genéticas. Podemos
tentar manipular essa levedura
para que ela seja mais eficiente
ainda", diz Pereira.
Casca-grossa
A genética, em parte, constatou o que os empregados das
grandes usinas brasileiras já sabiam. A levedura que produz o
álcool é muito versátil. Por viver no interior do suco de fermentação das caldeiras, existem várias pressões ambientais
sobre ela. Há, por exemplo, as
altas temperaturas e as substâncias que circulam pelo mosto (caldo que vai fermentar).
E por que ela aguenta todos
esses tipos de estresse, que outras leveduras de laboratório
não suportam? A resposta, diz a
dupla, está nos genes.
"Essa levedura [que tem 16
cromossomos] apresenta genes
essenciais no centro do genoma. Mas, nas pontas, a variabilidade verificada é muito grande", diz Argueso. Os cientistas
se depararam com uma espécie
de híbrido natural.
Enquanto a parte central do
genoma mantém as características evolutivas transmitidas ao
longo de muitas gerações, a variabilidade periférica encontrada agora é que foi permitindo uma melhor adaptação aos
vários ambientes.
"Nas indústrias, essa levedura selvagem [uma espécie heterotálica, ou seja, que necessita
de dois talos isolados compatíveis para se reproduzir de maneira sexuada] foi sendo melhorada de forma empírica, por
sucessivos cruzamentos, na base da tentativa e erro", diz Pereira. Tanto é assim que histórias curiosas foram observadas
dentro de usinas paulistas no
final do século 20.
Um empresário guardava a
sete chaves uma levedura importada da Alemanha, considerada o grande segredo da sua
produção. Uma análise mais
detalhada do mosto, entretanto, mostrou que a levedura importada era totalmente engolida, em questão de dias, pela levedura brasileira.
Por ironia, "era a levedura
nacional, que vem junto com a
cana-de-açúcar normalmente,
que fazia todo o trabalho de fermentação", conta Pereira.
Corrida tecnológica
Para melhorar a produtividade, o problema agora passa a ser
menos de engenharia química e
mais de engenharia genética,
brinca Pereira, que é do segundo time. "Estamos na frente,
mas não muito", diz Argueso.
A informação científica gerada pelo grupo brasileiro não é
passível de patenteamento.
Mesmo assim, empresas como
a ETH e a Braskem patrocinam
a pesquisa nacional. O que significa que todos que trabalham
com leveduras terão acesso à
plataforma genética que acaba
de ser decodificada.
Esse conjunto de dados não é
útil apenas para a produção de
álcool. Existem várias outras
aplicações. A corrida tecnológica está aberta.
Ela pode levar a plásticos feitos a partir de etanol ou ainda
ao tão cobiçado combustível de
segunda geração. Para isso, é
preciso montar um microrganismo que seja eficiente na
quebra da celulose que existe
na cana-de-açúcar. Ou, no caso
dos Estados Unidos, no milho.
Próximo Texto: Anticoncepcionais fazem com que mulheres evitem machões Índice
|