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Decreto autoriza destruição de cavernas
Nova legislação, promulgada ontem pelo Planalto, pode comprometer 70% das grutas do país, dizem ambientalistas
Considerada "absurda" por
espeleólogos, norma resulta
de dois anos de pressão de
empresas; para governo, lei
anterior não protegia nada
THIAGO REIS
MATHEUS PICHONELLI
DA AGÊNCIA FOLHA
O governo federal autorizou
a destruição de cavernas no
país. Decreto assinado pelo
presidente Luiz Inácio Lula da
Silva e publicado ontem no
"Diário Oficial da União" permite, a partir de agora, que milhares de grutas sofram "impactos negativos irreversíveis".
São cerca de 7.300 grutas
identificadas no país. Antes, todas eram protegidas por lei.
Com as mudanças na legislação, cavernas naturais passam
a ser classificadas por quatro
critérios de relevância: máximo, alto, médio e baixo.
Apenas as formações de "máxima relevância" deverão ser
preservadas. As demais poderão ser eliminadas desde que
haja autorização por parte de
órgãos ambientais.
Pelos novos critérios, grutas
com "alta relevância" poderão
ser destruídas desde que o empreendedor se comprometa a
preservar duas similares.
Para impactar formações
com "média relevância", o empreendedor deverá adotar medidas e financiar ações que contribuam para a conservação e o
uso adequado do "patrimônio
espeleológico brasileiro".
Já cavernas com "baixo grau
de relevância" poderão ser impactadas sem contrapartidas.
Criticada por ambientalistas,
que prevêem a possibilidade de
destruição de até 70% das formações brasileiras, a nova norma é resultado de quase dois
anos de pressão de empresas,
principalmente mineradoras e
hidrelétricas -que vêem nas
grutas um "empecilho" à expansão de empreendimentos.
Para o secretário-executivo
da SBE (Sociedade Brasileira
de Espeleologia), Marcelo Rasteiro, a nova lei é "absurda, horrível, lamentável".
Tempo recorde
A minuta, enviada há menos
de um mês para a Casa Civil, gerou mobilização entre especialistas do setor. Em 15 dias, mais
de 2.500 pessoas colocaram o
nome em um abaixo-assinado e
164 entidades aderiram a um
manifesto feito pela SBE para
tentar barrar o projeto.
A Federação Espeleológica
da América Latina e Caribe e
associações de Colômbia, Argentina, Paraguai, México e
Itália se pronunciaram contra o
novo decreto no Brasil.
"O [ministro] Carlos Minc
estava sabendo. Foi enviada
também uma carta à Casa Civil
e aos ministérios do Meio Ambiente e de Minas e Energia pedindo que fosse aberto um canal de comunicação. Tudo isso
foi ignorado. O governo não está ligando para o que pensa a
sociedade", afirma Rasteiro.
O presidente do Instituto
Chico Mendes, Rômulo Mello,
afirma que houve discussões
suficientes, mas que as entidades têm o direito de não concordarem com a versão final da
proposta, já que nem todas as
idéias discutidas poderiam ser
contempladas no decreto.
Segundo ele, o decreto representa avanço porque, da forma
como era antes, a lei "em tese,
protegia tudo e, na prática, não
protegia nada".
"Vamos ter algumas dificuldades para definir critérios,
mas agora haverá mecanismos
sobre compensações e ações de
proteção das unidades", diz.
O ministério terá 60 dias para elaborar a metodologia para
a classificação do grau de relevância das cavernas. Os estudos
para definição da relevância serão pagos pelo empreendedor.
"Há anos que se discute como fazer a classificação de uma
caverna e jamais se chegou a
uma conclusão. O ministério
vai ter 60 dias para fazer isso. É
impossível. Nem os melhores
técnicos serão capazes de fazer
algo decente", diz Rasteiro.
Segundo ele, pontos importantes listados pelo Cecav
(Centro Nacional de Estudo,
Proteção e Manejo de Cavernas) foram retirados do projeto
final, como o que previa uma
avaliação da importância do
empreendimento. "A nova lei
parte do princípio de que qualquer obra é mais relevante que
qualquer caverna. Não há preocupação com o ambiente."
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