São Paulo, sábado, 12 de janeiro de 2008

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Peixe cego recupera visão após 1 milhão de anos no escuro

Experimento cruzou indivíduos de espécies diferentes que viviam em caverna e resultou em filhotes que enxergam

Animal de olhos "atrofiados" já despertava interesse de Darwin; novo estudo reforça teoria ao mostrar caminhos múltiplos da evolução

Divulgação
O Astyanax mexicanus, cego e com pele sem pigmentação


RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Milagres acontecem, se você descobrir a receita certa do "criador". Recuperar a visão de uma espécie de peixes que é cega há um milhão de anos é um bom começo. O cruzamento de populações diferentes de peixes cegos mexicanos resultou em alguns casos em descendentes capazes de enxergar já na primeira geração.
O aparente "milagre" da ciência é explicado pela genética e pela evolução biológica: "A paleta [de opções] da evolução é variada", diz o pesquisador responsável, Richard Borowsky, da Universidade de Nova York. "Há numerosas maneiras genéticas de obter a mesma mudança."
Borowsky é um dos maiores especialistas nesse tema bem específico: peixes de cavernas. São animais que costumam ser dotados de duas características singulares e merecedoras de estudo -são cegos e albinos. No escuro completo, olhos ou pigmentação são supérfluos. E essas características estão fielmente expressas nos genes.
O interesse por esses animais existe desde a época de Charles Darwin (1809-1882), o pai da teoria da evolução, que chegou a escrever sobre como a falta de uso da visão pelos peixes de caverna acabaria por eliminar seus olhos.
Quando fala em paleta, Borowsky quer dizer que há diferentes caminhos para os peixes terem ficado cegos. Ou seja, são mutações em distintos conjuntos de genes que podem causar a cegueira. No caso dos peixes de caverna, esse processo teria ocorrido de forma separada "pelo menos três vezes".
Teoricamente, bastaria então cruzar populações diferentes, cada uma com deficiências visuais originadas de genes distintos, para que os bons genes de um provavelmente cancelassem os problemas do outro.
E a idéia, afinal, deu certo em cruzamentos em laboratório, relata estudo de Borowsky na revista "Current Biology".
Os cruzamentos em laboratório entre peixes cegos de diferentes cavernas resultaram maiores e melhores "olhos" rudimentares. E houve mesmo os que ganharam olhos capazes de enxergar. Em um dos mais bem-sucedidos cruzamentos, 40% dos filhotes enxergaram.
E se populações hoje distantes de peixes cegos de algum modo se mesclassem no futuro em presença de luz?
"Se você hibridizasse duas populações separadas de peixes cegos da caverna e os colocasse num lugar com luz, eu suspeito que a pressão da seleção [natural] seria suficiente para restaurar a visão para o conjunto da população em um tempo relativamente curto, menos de cem gerações", disse o pesquisador em entrevista à Folha.
O nordeste do México possui um raro e importante laboratório natural: uma série de cavernas sem luz na qual vivem 29 diferentes populações do peixe cego conhecido pelo nome científico Astyanax mexicanus, e pela popular alcunha tetra-cego. O peixinho atinge no máximo uns 12 centímetros.
As cavernas, distantes entre si, não repartem água da mesma bacia, e isso isolou as populações de peixes por centenas de milhares de anos. Cada uma evoluiu de modo separado.
"A retina é o tecido metabolicamente mais ativo do corpo e é um custo significativo para o animal. Quando não são necessários, olhos são nocivos", explica o pesquisador da Universidade de Nova York.


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