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São Paulo, quinta-feira, 12 de junho de 2003

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ANTROPOLOGIA

Equipe de 14 países acha fósseis de Homo sapiens com 160 mil anos; descoberta reforça tese da origem africana

Etiópia é o novo berço do homem moderno

Divulgação/Tim White
Crânio fóssil de um Homo sapiens idaltu adulto, de 160 mil anos


RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Os fósseis mais antigos do homem anatomicamente moderno foram descobertos na Etiópia. Os crânios, dois de adultos e um de criança, têm idade em torno de 160 mil anos e apóiam a tese de que a espécie humana atual, conhecida pelo nome científico Homo sapiens, surgiu na África. Marcas nos crânios indicam que eles foram usados em um tipo de ritual funerário primitivo.
Dois artigos descrevendo os fósseis e o contexto em que foram achados estão publicados na edição de hoje da revista científica "Nature" (www.nature.com). O autor principal é um dos mais renomados paleontólogos atuais, Tim White, da Universidade da Califórnia em Berkeley.
Os crânios da aldeia de Herto, na região de Awash, não são idênticos ao de uma pessoa atual. Isso fez com que White e colegas o classificassem em uma nova "subespécie". O homem atual pertence à subespécie Homo sapiens sapiens, cujos exemplares mais antigos têm 130 mil anos, no máximo. Os novos crânios são H. sapiens idaltu. A palavra "idàltu" quer dizer "ancião" em afar, língua dos habitantes de Awash.
A primeira descoberta em Herto foi feita por White em 1997, quando ele notou um crânio de hipopótamo e ferramentas de pedra em torno. Alguns dias depois foram achados os primeiros restos de um hominídeo.
O crânio que deu mais trabalho aos pesquisadores foi o da criança, encontrado pelo etíope Berhane Asfaw, do Serviço de Pesquisa do Vale Rift. Ele estava quebrado em mais de 200 pequenos pedaços e espalhado por uma área de cerca de 400 m2, pois havia emergido dos sedimentos em que tinha se fossilizado.
"Era um quebra-cabeças anatômico em três dimensões", declarou Asfaw. Pistas como as marcas dos vasos sanguíneos no interior dos fragmentos de osso foram usadas para montar o crânio.
Além de ferramentas de pedra e ossos de animais devorados por esses homens pré-históricos, foram achados apenas os crânios humanos, todos na mesma camada geológica e a 200 metros uns dos outros. O resto dos esqueletos não estava por perto.
Há duas explicações para o mistério. Eles podem ter sido enterrados em outro lugar. "Ou, então, [o grupo] pode ter deixado os ossos na superfície para serem comidos por hienas, mas em outro lugar", disse White à Folha.
"Nós simplesmente não sabemos o que aconteceu com esses corpos. É uma história de mistério sem um final no momento, porque as pistas estão frias por 160 mil anos", afirmou.
Mesmo apoiando a tese de uma origem humana na África, os novos fósseis não rejeitariam a hipótese de uma evolução "multirregional", segundo afirmou à Folha, por e-mail, um dos seus mais importantes proponentes. Segundo Milford H. Wolpoff, da Universidade de Michigan em Ann Arbor, "a questão de esses espécimes serem os ÚNICOS ancestrais das pessoas de hoje deve ser resolvida examinando amostras mais recentes para ver se, por exemplo, europeus têm carga genética de populações locais arcaicas assim como de africanas, ou se australianos descendem de populações locais e africanas" (as maiúsculas estão na mensagem de Wolpoff).
Estudos feitos pelos geólogos e paleontólogos da equipe de 14 países indicam que os homens de Herto viviam ao lado de um lago de água doce repleto de hipopótamos, crocodilos e peixes. Na mesma época, a Europa vivia uma era glacial. Hoje Herto está em uma zona árida, de clima inóspito.
As ferramentas encontradas indicam um estágio tecnológico-cultural intermediário entre os machados de mão mais simples e as posteriores, feitas de pedra lascada. Elas foram estudadas pelo veterano pesquisador J. Desmond Clark, morto no ano passado.
Essas ferramentas foram usadas para retirar pele e carne dos crânios. Mas as marcas são diferentes daquelas que seriam feitas em caso de mero canibalismo.
As marcas são semelhantes às observadas em crânios em sociedades primitivas nas quais as cabeças dos ancestrais são preservadas e veneradas, além de usadas em rituais (o que cria um desgaste típico, resultante do manuseio).


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