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São Paulo, domingo, 12 de outubro de 2003

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ESTUDOS RECENTES AFIRMAM QUE APENAS 23 MIL LEÕES AINDA VIVEM NA ÁFRICA, E CIENTISTAS CONCLUEM QUE SÓ MANTER RESERVAS AMBIENTAIS NÃO BASTA PARA CONTER SUA EXTINÇÃO

OS ÚLTIMOS REIS

Gabriela Wolthers - 13.dez.2000/Folha Imagem
Leões bocejam em Kapama (África do Sul)


Stephanie Pain
da "New Scientist

Você poderia repetir esse número?" A ligação estava ruim, e eu achei que não entendera o que Laurence Frank tinha dito. "Mais ou menos 23 mil." Parece que é esse o número de leões que ainda sobrevivem em toda a África. É um número chocante por ser tão pequeno. Mas isso não é tudo: "Não são apenas os leões. As populações de todos os predadores africanos estão se reduzindo drasticamente", disse Frank, que é biólogo da Universidade da Califórnia em Berkeley. Há 20 anos, a população leonina parecia estar muito bem. Não havia números exatos a seu respeito, mas os conservacionistas estimavam os leões em cerca de 200 mil. Eles pareciam estar se multiplicando nos parques e nas reservas naturais. O que ninguém observara é que estavam desaparecendo em todos os outros lugares, e a mesma coisa se passava com outros predadores. Antigamente, os cães selvagens percorriam a maior parte da África subsaariana. Hoje existem entre 3.000 e 5.500 deles, vivendo numa minúscula fração do território que ocupavam antes. "As pessoas sabem do perigo que correm os elefantes, gorilas e rinocerontes, mas parecem ignorar por completo que os grandes carnívoros estão perto do fim." "Os humanos sempre mataram os predadores", diz Frank. "Hoje em dia, porém, todo mundo tem fuzis e venenos." A situação ainda não é tão desesperadora quanto a de animais em outras partes do mundo. "Os grandes carnívoros foram eliminados em quase todo o mundo", afirma. "Na África, ainda não é tarde demais." A estratégia atualmente utilizada para conservar os carnívoros consiste quase inteiramente na criação de parques e reservas naturais -ou seja, basicamente, manter os humanos e os predadores longe uns dos outros, especialmente porque os animais matam o gado tão caro aos humanos. "Essa estratégia já não é o suficiente", afirma Frank. Depois de passar sete anos estudando as relações entre humanos, gado e predadores na região de Laikipia, na parte central do Quênia, como chefe do Projeto Predadores de Laikipia, Frank está convencido de que a convivência é possível. E ela pode ser garantida com pouco esforço e a um custo mínimo. Laikipia é um pontinho no mapa da África -uma área de 10 mil quilômetros quadrados de mata baixa, semi-árida. Parte dessa área é usada comercialmente para a criação de gado, e parte é usada como terra de pastagem comunitária das populações masai. A região sofre o que Frank chama de "a catástrofe completa" em termos de gado: ovelhas, cabras, gado bovino e camelos. Mas existe uma diferença importante: a área ainda tem carnívoros grandes. "Laikipia é um laboratório ideal para estudar o que acontece entre predadores e gado e entre humanos e predadores e para buscar maneiras de reduzir o conflito entre eles", diz Frank. Ele e a Sociedade de Conservação da Fauna Selvagem, que o patrocina, esperam que as lições aprendidas em Laikipia sejam aplicadas em outras partes do continente. Mesmo ali, os leões desapareceram das terras comunitárias. Nas fazendas, porém, a situação é outra. A maioria dos fazendeiros encoraja a presença da fauna em suas terras, interessados em aumentar o número de ecoturistas. Eles colocam pouco gado em suas terras, deixando pastagens para os herbívoros nativos, e a maioria reluta em matar os predadores. Com isso, Laikipia é o único lugar do Quênia em que a fauna está crescendo. A região possui entre 100 e 150 leões e um bom número de guepardos, leopardos e hienas malhadas e listradas. Em 1998, os cães selvagens reapareceram na área depois de 20 anos.


Por incrível que pareça, as soluções para estimular o aumento das populações leoninas podem estar na criação de áreas de caça esportiva e no estímulo ao ecoturismo


Animais-problema
Embora os fazendeiros de Laikipia relutem em matar carnívoros, há limite para quantas reses eles se dispõem a perder. No passado, eles disparavam contra qualquer leão que vissem. Hoje, a maioria tolera algumas perdas e mata apenas os animais "problemáticos", que continuam matando gado.
Frank e sua equipe querem achar maneiras de reduzir o número de mortes. Para que possam convencer os donos de gado a "pegar leve" com as armas e o veneno, é útil saber até que ponto os carnívoros de fato ameaçam o gado. Ao monitorar as mortes de cabeças de gado em Laikipia, a equipe descobriu que os predadores matam em média 0,8% da população total de gado bovino e 3% da população de ovelhas por ano -ou seja, um terço do número de animais que morrem de doenças.
A melhor maneira de conservar os carnívoros é impedir que eles matem cabeças de gado, diz Frank. A descoberta mais importante feita até agora pelo Projeto Laikipia é que é possível que as pessoas reduzam suas perdas com pouco esforço e a um custo baixo.
O estudante de pós-graduação e integrante da equipe de Laikipia Mordecai Ogada, da Universidade Kenyatta, em Nairóbi, estudou como e por que os diferentes predadores matam gado e, em seguida, buscou maneiras de frustrá-los nesse intento. O método tradicional de pecuária no Quênia consiste em deixar o gado pastando durante o dia, sob o olhar atento de pastores. O perigo se torna maior após o anoitecer, quando o gado é recolhido dentro de um cercado, conhecido como "boma". O boma é feito de arbustos espinhosos com os quais é formado um curral, cuja entrada é fechada depois que os animais estão em seu interior.
Ogada constatou que os leões são responsáveis por dois terços das mortes de cabeças de gado em bomas e por quase todos os ataques. A aproximação de um leão leva os animais a se apavorarem e a fugir para fora do boma, onde se tornam presas fáceis. Ovelhas e cabras são as presas mais fáceis; tanto leões quanto leopardos simplesmente saltam para dentro do boma e as agarram.
A melhor defesa é uma boma densa e forte feita do arbusto espinhoso local. Bomas feitas de pedra ou madeira, que já foram testadas em algumas regiões, oferecem menos segurança do que se poderia imaginar. Elas impedem o gado de fugir num estouro, mas são menos eficazes para proteger ovelhas e cabras: os leões e os leopardos simplesmente saltam sobre suas paredes e arrastam sua presa para fora. A colocação de cercas elétricas alimentadas por energia solar em volta dos bomas de ovelhas praticamente pôs fim às invasões.
Aqui e em boa parte da África, contudo, o único argumento convincente que se pode apresentar em favor de vida dos predadores é que eles representam ganho de dinheiro. "Para a maioria das pessoas, esses animais não têm valor algum. São pragas", diz Frank. "Os predadores precisam ter um valor financeiro."
Existem duas maneiras de conseguir isso. A primeira é o ecoturismo. Os fazendeiros de Laikipia já se beneficiam dos dólares do turismo, e os pastores masai estão ansiosos por fazer o mesmo. O retorno dos cães selvagens à região é sinal de esperança, já que a maioria se estabeleceu nas terras comunitárias. "Os pastores querem colaborar, mas precisam de muita ajuda", disse Frank.
Mesmo que essa ajuda se concretize, o turismo não é a resposta adequada para todas as áreas. "O mercado do turismo é mais limitado do que pensam muitas pessoas", avisa Frank. A alternativa é a caça de animais grandes, vistos como troféus. Muitas pessoas não gostam da idéia, e a caça é proibida no Quênia há 25 anos. Frank é defensor relutante da proposta. "A caça paga já proporcionou um aumento enorme da fauna nativa na África do Sul e na Namíbia", diz ele. A caça esportiva requer a conservação de grandes faixas de terra, porque é necessária uma população grande e saudável de animais para produzir alguns poucos machos próprios para se tornarem troféus de caça.
O sistema pode parecer desagradável, mas é prático. "Um caçador esportivo pode gastar US$ 30 mil para abater um grande leão macho. Alguns deles pagam US$ 15 mil por uma fêmea", diz Frank. "Em Laikipia, seria possível ganhar meio milhão de dólares por ano caçando os animais problemáticos que seriam mortos de qualquer maneira." Seria o suficiente para compensar o custo de toda a população local de leões por dez anos.

Tradução de Clara Allain


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