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Idéi a reemergente
Debate sobre limites do reducionismo na ciência ganha fôlego após estudo
sobre simulação de átomos
MARK BUCHANAN
DA "NEW SCIENTIST"
Uma das grandes
metas da ciência é
explicar cada aspecto da natureza
em termos de leis
fundamentais simples. Mas será que é possível? Um grupo de
físicos alega ter obtido uma evidência de que algumas coisas
simplesmente não podem ser
computadas, e que a natureza
pode ser mais do que a soma de
suas partes.
A idéia do reducionismo,
uma ferramenta-chave em
ciência há séculos, sustenta
que tudo na natureza pode ser
compreendido eventualmente
ao se conhecer suficientemente bem as suas partes. As leis da
dinâmica dos fluidos, por
exemplo, podem ser derivadas
das leis mais profundas sobre
movimento de átomos e moléculas, que por sua vez seguem
princípios da física quântica.
Em 1971, o físico Philip Anderson mostrou que poderia
haver um problema com essa
abordagem. Ele sugeriu que alguns sistemas podem ser mais
do que a soma de suas partes.
Haveria uma "emergência" -a
noção de que tipos importantes de organização podem
emergir em sistemas com muitas partes interagindo entre si,
na qual as leis não derivam das
propriedades das partes. Se for
assim, mesmo o conhecimento
perfeito da física em um nível
seria inadequado para compreender a organização em níveis superiores. Desde então,
seguiu-se um debate.
Agora, o grupo de Mile Gu, da
Universidade de Queensland
em Brisbane (Austrália), alega
que pode ser possível provar a
idéia de Anderson. Eles estudaram um esquema matemático
básico chamado modelo de
Ising, usado para descrever como o magnetismo surge no ferro e em outros materiais a partir da organização coletiva de
seus átomos.
Para ter uma idéia do modelo
de Ising, imagine uma grade
tridimensional de átomos. Cada átomo age como se fosse um
pequeno imã para os outros ao
redor. Ele adota uma orientação que depende das forças entre os átomos. Isso reflete o que
acontece em materiais do
mundo real, no qual átomos
adotam padrões diferentes de
orientação que dependem das
forças atômicas. No ferro, por
exemplo, os átomos às vezes
apontam em uma direção similar -fazendo o material tornar-se magnético como um todo- enquanto em ligas metálicas o padrão é mais complexo.
Usando o modelo, o grupo se
focalizou na questão sobre se o
padrão que os átomos adotam
sob vários cenários, como o estado mais baixo de energia, pode ser calculado a partir do conhecimento dessas forças. Eles
descobriram que, em alguns
cenários, o padrão de átomos
não podia ser inferido dessa
maneira -mesmo dispondo de
poder computacional ilimitado. Em jargão matemático, esse sistema é considerado "formalmente indecidível".
"Nós conseguimos encontrar
diversas propriedades que
eram simplesmente desacopladas das interações fundamentais", diz Gu. Mesmo algumas
propriedades realmente simples do modelo, como a fração
de átomos orientados em certa
direção, não pode ser computada. Uma versão preliminar do
estudo está na internet (www.
arxiv.org/abs/0809.0151).
O resultado, afirma Gu, mostra que alguns dos modelos
usados por cientistas para simular sistemas físicos podem,
na verdade, ter propriedades
não relacionadas com o comportamento de suas partes. Isso, em contrapartida, ajudaria
a explicar por que nossa descrição de natureza opera em tantos níveis, em vez de funcionar
a partir de um só. "Uma "teoria
de tudo" pode não explicar todos os fenômenos naturais",
diz Gu. "A compreensão real
pode exigir mais experimentos
e mais intuição a cada nível."
Atoleiro filosófico
Alguns físicos acreditam que
o trabalho de Gu confere uma
carga científica promissora à
delicada questão da emergência -que tende a se imobilizar
num atoleiro de argumentos filosóficos. John Barrow, da Universidade de Cambridge, considerou o resultado "realmente
interessante", mas diz crer que
um dos elementos da prova requer mais estudos. Ele ressalta
que Gu e seus colegas derivaram seu resultado a partir do
estudo de um sistema infinito
-em vez de usar um que fosse
grande, mas de tamanho finito,
como a maioria dos sistemas
naturais. "Então, não está totalmente claro o que os resultados deles significam para sistemas finitos reais.
Gu concorda com o argumento, mas afirma que não era
esse o objetivo de seu grupo.
Ele também argumenta que as
leis matemáticas idealizadas,
que cientistas usam rotineiramente para descrever o mundo,
freqüentemente se referem a
sistemas infinitos. "Nossos resultados sugerem que algumas
dessas leis provavelmente não
podem ser derivadas de princípios simples", afirma.
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