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Gene "ensinou" fala a cérebro, diz estudo
Apenas duas mutações na sequência de DNA do FOXP2 podem estar por trás da linguagem humana, mostra estudo
Experimento americano mostrou pela 1ª vez como a versão humana desse gene altera a maneira como os neurônios funcionam
REINALDO JOSÉ LOPES
DA REPORTAGEM LOCAL
Modificações sutis num único gene podem estar por trás da
grande reorganização do cérebro que deu aos ancestrais das
pessoas de hoje a capacidade de
falar. A conclusão vem de experimentos feitos nos EUA, indicando que o trecho de DNA conhecido como FOXP2 realmente mereceu ganhar o apelido de "gene da linguagem".
Não é que, sozinho, o FOXP2
tenha "ensinado" hominídeos
antes mudos a tagarelar, mas a
versão tipicamente humana
dele ajudou a alterar toda uma
rede de genes importantes para
o funcionamento dos neurônios, diz Daniel Geschwind,
pesquisador da Universidade
da Califórnia em Los Angeles
que coordenou o estudo.
"Podemos pensar no FOXP2
como uma janela para a linguagem, e para as vias moleculares
que estão por trás dela. É claramente uma janela importante,
mas não a única", afirmou
Geschwind à Folha.
Em estudo na edição desta
semana da revista científica
"Nature", o pesquisador e seus
colegas foram os primeiros a
comparar os efeitos da versão
humana e da forma considerada "ancestral" do gene (presente em chimpanzés) sobre células cultivadas em laboratório.
As suspeitas originais sobre a
importância do FOXP2 para a
evolução derivam de dois fatos.
Primeiro, pessoas com mutações nesse gene, embora tenham inteligência normal, sofrem com dificuldades de fala:
não conseguem controlar direito os músculos da garganta
ligados à pronúncia precisa de
palavras e, de quebra, também
têm problemas para entender
como a gramática funciona.
Em segundo lugar, há só
duas diferenças pequenas entre a forma humana e a de
chimpanzés da proteína cuja
"receita" está contida no
FOXP2. Há indícios de que a
versão humana passou por
uma fase de evolução acelerada, que casa com a ideia da origem relativamente recente, e
de grande impacto evolutivo,
da linguagem. Elucidar o que o
FOXP2 faz daria mais pistas
para entender por que humanos e chimpanzés são tão diferentes em comportamento e
capacidade mental, apesar de
compartilharem cerca de 99%
do DNA. Ao que tudo indica, diferenças pequenas conduzem a
grandes mudanças.
Tubo de ensaio
O que os pesquisadores fizeram foi acompanhar o que
acontecia com dois grupos diferentes de neurônios de laboratório. Um dos grupos recebeu a
versão humana do FOXP2, enquanto noutro foi inserida a
forma do gene em chimpanzés.
Como a proteína derivada do
FOXP2 é uma espécie de gerenciador do DNA, ajudando a
coordenar ativação ou desligamento de outros genes, nada
mais natural do que comparar o
que acontecia com outros genes nos dois grupos de células.
"Eles mostraram que as vias
de ativação de genes são bem
diferentes entre humanos e
chimpanzés, mostrando que as
alterações na estrutura da versão humana têm consequências dramáticas para a atividade celular", explica o biólogo
brasileiro Alysson Muotri, da
Universidade da Califórnia em
San Diego, que comentou a pesquisa a pedido da Folha.
Para ser mais exato, a versão
humana intensificou a ativação
de 61 genes e diminuiu a de outros 56. Muitos deles, mostra a
análise, têm ligação direta com
o desenvolvimento do cérebro
ou com a formação dos ossos e
das cartilagens do crânio.
É como se o FOXP2, portanto, estivesse ligado tanto ao
"software" da fala (as áreas do
cérebro que permitem a emissão e compreensão de linguagem) quando ao "hardware"
-o formato correto da anatomia humana que conduz à capacidade de falar. "De qualquer
forma, é surpreendente que
eles detectem diferenças mesmo em células", diz Muotri.
"Esse tipo de trabalho, espero, é só o começo do esforço para entender o surgimento das
funções cognitivas superiores,
como a linguagem, em humanos", afirma Geschwind.
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