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Apagão em estrela reforça teoria de cientista brasileiro
Eta Carinae, na verdade, é um sistema com dois astros; atrito entre ambas bloqueia passagem de raios energéticos
Fenômeno invisível a olho nu ocorreu exatamente no dia previsto por Augusto Damineli, da USP; telescópio no Chile registrou o evento
EDUARDO GERAQUE
ENVIADO ESPECIAL A LA SERENA (CHILE)
Às 3h35 da manhã (4h35 de
Brasília) de segunda-feira em
La Serena, no Chile, o astrônomo Augusto Damineli, 61, sentava-se na cadeira que permite
controlar o telescópio Soar
(Observatório do Sul para Pesquisa Astrofísica). Ansioso, testemunhou um fenômeno que
poucos tiveram oportunidade
de ver, ocorrido em Eta Carinae, uma estrela que ele estuda
há 20 anos. Ontem, bem no dia
em que Damineli havia previsto, a estrela sofreu um apagão.
O prédio de controle do Soar,
na verdade, fica a 80 km do
equipamento, que está no topo
de Cerro Pachón, a 2.701 metros de altitude. "Astrônomo
não pode por muito a mão no
telescópio", brinca o cientista
brasileiro. Em La Serena, 475
km ao norte de Santiago, na
beira do Pacífico, o observatório fica próximo de centros produtores de vinho e pescado. E,
ontem, não faltou motivo para
abrir uma garrafa.
Controle remoto
"Patrício! A Eta Carinae." O
pedido que parte de La Serena
vai em direção ao astrônomo
chileno Patrício Ugarte, que está no morro. Ele sim é quem
pode por as mãos no telescópio.
Segundos depois, é possível ver
e ouvir a resposta (via teleconferência): "Pronto!".
O espelho de 4,2 metros do
Soar, a partir das coordenadas
dadas por Ugarte, já está olhando para Eta Carinae. Damineli,
com auxílio do também brasileiro Luciano Fraga, que há um
ano e sete meses trocou Florianópolis pelo norte do Chile, faz
as primeiras medições, via
computador.
Basta um único gráfico, que
mostra a presença dos elementos químicos ferro e nitrogênio
-medidos nos gases que circundam Eta Carinae- para
comprovar a previsão. "Chegou
lá", comunica Damineli. A "assinatura" do apagão é uma diminuição na luminosidade de
nitrogênio e hélio detectados
pelo telescópio, que enxerga
frequências de luz invisíveis ao
olho humano. O apagão não é
visível a olho nu, mas no Soar o
sinal é mais do que claro.
Cinco anos e meio
O fenômeno, como havia sido
previsto pelo próprio pesquisador brasileiro, voltou a ocorrer
depois de 5,5 anos, dentro da
margem de erro, que era de dois
dias para mais ou para menos.
"Isso que é precisão", Damineli
diz à estrela que observa. "Se eu
tiver uma neta, vou colocar o
nome de Carina."
Damineli explica que Eta Carinae, na verdade, não é uma estrela única, e sim um sistema
com duas. Ontem, no céu, perto
do Cruzeiro do Sul, a estrela
Eta Carinae B estava no momento mais profundo de seu
mergulho no campo de influência da estrela A, que possui 2,5
milhões de anos. Os gases e o
plasma dessa estrela pertencente à classe das hipergigantes
azuis são tão coesos que é possível dizer que uma estrela "entra" na outra. O que ocorre é
uma colisão violenta de seus
"ventos" -as partículas carregadas que as estrelas lançam a
grandes velocidades no espaço.
"Na área de choque dos ventos das duas estrelas, a temperatura é de 100 milhões de
graus Celsius", explica Damineli. O vento da menor delas, de
3.000 km/s, bate no vento da
maior, que trafega a 600 km/s.
E esse "atrito" induz o apagão.
O registro do fenômeno ontem em La Serena -cidade onde nunca chove, mas fica nublada nas manhãs de verão- é como "marcar um gol", diz Damineli. Ele já estava lá se preparando para o evento havia um
mês. Na semana entre Natal e
Ano Novo, subiu até o telescópio acompanhado apenas de
um colega para fazer pessoalmente algumas observações.
Ciência nas alturas
"Lá em cima é muito bom",
diz Damineli, revelando também o seu gosto pela astronomia romântica. Hoje, devido à
tecnologia, boa parte dos equipamentos podem ser operados
remotamente, de qualquer parte do mundo. "Não poderia perder a oportunidade de observar
esse apagão." Sua presença lá
era considerada importante, já
que boa parte da biografia
"quase acabada" de Eta Carinae
saiu de estudos feitos por seu
grupo, na USP (Universidade
de São Paulo).
A primeira observação que
Damineli fez de Eta Carinae foi
em 1989, no Brasil, onde não há
nenhum telescópio -nem tempo bom- como o Soar. Depois
disso, Damineli assistiu a três
apagões, com o de ontem.
Ele quem primeiro defendeu
o modelo de que Eta Carinae
era um sistema duplo, e não
uma única estrela. Além da previsão do ciclo exato de 5,5 anos
para ocorrer o apagão. Sua teoria ainda não é unanimidade na
comunidade de astrônomos,
mas a observação de ontem deve lhe dar força.
O apagão não é como um
eclipse nem pode ser visto dentro da faixa de luz do visível. São
apenas os canais de alta energia
da estrela maior que somem. A
presença do astro menor muito
próximo do maior (a distância
que normalmente é de 4,5 bilhões de quilômetros cai para
150 milhões de quilômetros)
ofusca a energia que emana da
Eta Carinae A. Damineli constatou isso por meio de sinais
dentro da faixa do ultravioleta.
Matéria da vida
Eta Carinae, exótica por si só,
chama a atenção dos cientistas
há tempos. São publicados em
todo mundo dois estudos por
mês sobre a estrela. Mas há razões científicas importantes
para estudar esse verdadeiro
fóssil estelar -corpos celestes
como esse existiam aos milhões
nos primeiros 2 bilhões de anos
do Universo, que hoje tem 13,7
bilhões de anos de idade.
"Estrelas como a Eta Carinae
são especialistas em produzir e
liberar oxigênio. Essas estrelas
são responsáveis pelo preenchimento de várias casas [elementos] da nossa tabela periódica", afirma Damineli. Estudar o coração da Eta Carinae e
entender por completo como
ele se expressa é conhecer mais
sobre as condições químicas
para o surgimento da vida. Ajudaria a entender por que a água,
no Sistema Solar, é algo tão
abundante. Para Damineli,
"rastros de atividade biológica
precisam ser procurados fora
do Sistema Solar".
Mesmo com o êxito de ontem, Damineli revela: "esse
provavelmente foi meu último
apagão. Agora, o resto será com
os meus alunos". Sua próxima
missão é bem mais ousada:
"Temos dados suficientes para
mostrar que o modelo atual da
Via Láctea está errado", afirma.
De um jeito ou de outro, mesmo que Damineli não volte ao
Soar para observar Eta Carinae, o próximo apagão já tem
data: o inverno de 2014.
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