São Paulo, segunda-feira, 13 de março de 2006

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BIOSSEGURANÇA

Desacordo sobre regras para exportação de transgênicos não foi sanado no governo; reunião vai até dia 17

Brasil dividido abre hoje encontro da ONU

DA REPORTAGEM LOCAL

O Brasil, anfitrião do 3º Encontro das Partes (MOP-3) do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança, continua dividido sobre que posição assumir durante o evento das Nações Unidas, que começa hoje em Curitiba. O país ainda não sanou sua crise de identidade: é ao mesmo tempo dono de grande biodiversidade (e, portanto, favorável a regras mais rígidas sobre o comércio de alimentos transgênicos) e grande exportador de grãos (o que o torna interessado, ao menos teoricamente, em menos burocracia nessa área).
Até o fechamento desta edição, o governo brasileiro ainda não havia chegado a um consenso sobre qual posição defender durante o encontro, que vai até o dia 17. O pomo da discórdia está no artigo 18 do protocolo, que entrou em vigor em 2003. Hoje, o texto estabelece que os países exportadores de alimentos devem informar os importadores caso seus carregamentos "possam conter" organismos geneticamente modificados.

Contêm?
A dúvida é se tal informação deve ser mudada para "contêm", num grau de certeza que exija o teste detalhado de cada carregamento. O Ministério do Meio Ambiente defende a expressão "contêm", enquanto o da Agricultura é favorável ao simples "podem conter". Os que preferem a posição mais liberal dizem que a necessidade de testes exaustivos aumentaria os custos de produção no Brasil (em especial os da soja, principal lavoura de exportação do país hoje e com tendência a ser dominada pelos cultivares transgênicos).
Já os países com grande biodiversidade, ao lado dos quais normalmente se coloca o Brasil, dizem preferir a versão mais estrita da classificação, como forma de controlar possíveis riscos de troca de material genético entre os organismos modificados e as espécies nativas de cada país.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve arbitrar a divisão de opiniões dentro do governo brasileiro, mas, às vésperas do início do encontro, ainda não havia se manifestado. "Ainda não fomos informados sobre a posição do presidente", disse à Folha João Paulo Capobianco, secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente. "Infelizmente, não se chegou a um entendimento em torno de uma proposta intermediária."
Para Capobianco, o fato de o Brasil ser o único grande exportador de grãos que aderiu ao protocolo o coloca numa posição especial nas negociações. "Além do mais, o que for decidido também terá implicações para as não-partes [os países que não assinaram o acordo]. Por isso há tanta pressão sobre o Brasil", afirma.
Já Gilman Viana, do Departamento de Comércio Exterior da Confederação Nacional da Agricultura, compara o Protocolo de Cartagena à sugestão do humorista José Vasconcellos de mudar toda a população do Sul do Brasil para o Norte e vice-versa: "Não dá vantagem nenhuma, mas faz um movimento danado", brinca.
Segundo Viana, o país já comete um equívoco ao subscrever o protocolo, e estará sendo submisso se decidir pelo "contém". "O mundo tem quatro grandes exportadores de grãos: Brasil, EUA, Canadá e Argentina. Só o Brasil faz parte do Protocolo de Cartagena. Então, nós vamos ser contidos enquanto nossos concorrentes estarão livres", afirma Viana.
É provável que a divisão se aprofunde durante a COP-8 (8ª Conferência das Partes) da Convenção da Biodiversidade da ONU, que acontece logo depois da MOP-3 em Curitiba. Em pauta estarão regras para o uso de recursos da biodiversidade (como fármacos, por exemplo) que rendam benefícios para os países detentores desses recursos. Mais uma vez, há divergências sobre uma posição mais ou menos liberal. (REINALDO JOSÉ LOPES)


Colaborou Claudio Angelo, editor de Ciência


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