São Paulo, domingo, 13 de setembro de 2009

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+Marcelo Leite

Genoma amarelinho


Tabu da inovação não cedeu à força da biologia molecular nacional


Ninguém entendeu quando o tucano Mário Covas, naquele debate de 1998 entre candidatos a governador, perguntou a Paulo Salim Maluf o que ele faria para acabar com a doença do amarelinho. Maluf não se deu por achado: "O senhor ficou quatro anos e não acabou com a praga do amarelinho. Me dá um ano que eu acabo".
Apesar da charada agrícola, Covas se reelegeu. Os espectadores não sabiam do que ele estava falando, mas o então governador deve ter achado que teria impacto a notícia de que pesquisadores paulistas estavam empenhados em sequenciar (soletrar) o DNA da bactéria Xylella fastidiosa, a praga causadora da clorose variegada dos citros -mais conhecida como amarelinho da laranja.
Assim como Maluf, o amarelinho continua por aí, quase uma década depois de concluído o primeiro projeto genoma do país. Se alguém contava com o estudo para erradicar a doença, deu-se mal. Na mira de seus criadores, porém, estavam outros frutos: criar competência nacional no campo emergente da genômica, novo apelido da boa e velha biologia molecular.
Em lugar de abrir uma repartição científica e construir prédios, os estrategistas da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) tiveram o bom senso de fomentar uma rede virtual de laboratórios. Alguns pesquisadores realizaram seu sonho de consumo: sequenciadores de DNA de última geração. Dividiram o genoma da bactéria e saíram a campo.
Colheram a capa do prestigiado periódico científico britânico "Nature", em 13 de julho de 2000. E de lá para cá? Que saldo ficou desse esforço dirigido de atualização da biologia nacional? Quanta inovação -ou seja, aplicações fora da pesquisa básica- surgiram da iniciativa?
Rogério Meneghini, do Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (Bireme), e Estêvão Cabestré Gambá, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), enfrentaram essas questões espinhosas. Traduziram-nas para a linguagem da cienciometria, disciplina que estuda a produtividade da pesquisa por meio de indicadores como número de artigos científicos, das citações que amealham e de patentes depositadas.
O resultado se encontra no estudo "Evolução da Produção Científico-Tecnológica em Biologia Molecular no Brasil (1996-2007): A Contribuição dos Programas de Genômica", ainda inédito. A genômica nacional e áreas afins tiveram um crescimento explosivo no período, concluem os autores.
A produção científica (quantidade de artigos) brasileira, em geral, cresceu 236%. Em contraste, a fatia da biologia molecular progrediu 434%: foram 1.928 trabalhos publicados em 2007, contra 361 em 1996.
O desempenho foi suficiente para pôr o Brasil à frente de EUA (20%), Japão (35%) e Alemanha (62%). Desde que se desconsiderem os números absolutos de artigos, claro: 393.986 em 12 anos, no caso dos EUA, 33 vezes mais que os 12.053 do Brasil.
Artigos de pesquisadores baseados no Estado de São Paulo, onde nasceu o projeto Xylella, também avançaram consideravelmente: 515%. Sinal provável de que a iniciativa paulista ajudou a puxar o trem genômico em escala nacional.
Meneghini e Gambá se perguntaram, por fim, quantas patentes o esforço rendeu ao país. E foi aí que a biologia molecular nacional amarelou: em 12 anos, 279 patentes brasileiras depositadas nos EUA, meras 66 de origem paulista. Só para comparação, foram 996 da China, 1.054 da Índia e 2.221 da Coreia do Sul.


MARCELO LEITE é autor de "Darwin" (série Folha Explica, Publifolha, 2009) e "Ciência - Use com Cuidado" (Editora da Unicamp, 2008). Blog: Ciência em Dia (cienciaemdia.folha.blog.uol.com.br).
E-mail: cienciaemdia.folha@uol.com.br


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