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FRANÇOISE
BARRÉ-SINOUSSI
"Decisão de quebrar patente é corajosa"
ANA CAROLINA DANI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM PARIS
Leia a entrevista de Françoise Barré-Sinoussi:
FOLHA - A sra. falou que foi ingenuidade achar que teríamos uma
vacina contra o HIV logo. Por quê?
FRANÇOISE BARRÉ-SINOUSSI - Há
muitos problemas. Um deles é
a grande diversidade do vírus
da Aids. Em um mesmo corpo
humano contaminado há uma
grande variedade de vírus ligeiramente diferentes entre si.
Há também o fato de que esse
vírus infecta muito rápido as
células que existem no corpo
para nos defender da infecção.
O vírus é mais rápido que a resposta imune. Ele penetra na célula e, além de se multiplicar,
desregula suas funções.
Pesquisas mais recentes
também indicam que, nas células apresentadoras de antígenos [que matam as células infectadas], o vírus da Aids também afeta o que chamamos de
imunidade natural, que é a primeira resposta do corpo quando, por exemplo, cortamos um
dedo. Tudo isso agrava a situação para descobrir uma vacina.
Acreditamos que [usar] uma
parte do vírus [em vacinas, como se tenta fazer hoje] possa
provocar não uma resposta
protetora, mas sim uma resposta deletéria, que vai fazer o
inverso do que queremos, com
o risco de provocar uma imunodeficiência. Então, há todo
um equilíbrio que ainda conhecemos mal entre as respostas
benéficas, as respostas destrutivas e os sinais que devemos
induzir precocemente para fazer pender esse equilíbrio em
direção à resposta protetora.
Enquanto não tivermos compreendido esses mecanismos,
teremos muitas dificuldades
em desenvolver novas estratégias de vacina.
FOLHA - Luc Montagnier disse que
acredita em uma vacina terapêutica
em dois ou três anos. A sra. também
crê nisso?
BARRÉ-SINOUSSI - Não vou falar
em prazos, nem para a vacina
preventiva, nem para a terapêutica. Em compensação, devemos efetivamente buscar
uma vacina terapêutica. Essas
vacinas vão impedir que os portadores do vírus desenvolvam a
doença. E isso já seria um grande progresso.
Hoje, temos em nossas mãos
um certo número de sistemas
de estudos. Por exemplo, existe
essa pequena proporção de
doentes, menos de 1%, que são
portadores do vírus, mas controlam a carga viral e que, sem
nenhum medicamento, não desenvolvem a doença. Parece
que esses pacientes têm uma
resposta TCD8+ [tipo de célula
de defesa do corpo] particular,
mas há ainda muito a aprender,
porque nem todos esses pacientes têm a mesma resposta.
Além disso, também tentamos
identificar por que alguns pacientes têm uma boa resposta
TCD8+ e outros não. Começamos a saber que há fatores genéticos e ligados à imunidade
natural, que conhecemos ainda
mal. Então, ainda é necessário
muita pesquisa para compreender por que essas pessoas
não desenvolvem a doença.
Há também o modelo do macaco da África, que não desenvolve a doença, apesar de ser
portador do vírus. O meu laboratório e outros realizam pesquisas para tentar descobrir a
diferença entre o modelo patogênico e os outros que não desenvolvem a doença.
FOLHA - E não podemos fazer previsões sobre o prazo necessário para
a descoberta de uma vacina terapêutica ? Será mais rápido que para
uma vacina preventiva ?
BARRÉ-SINOUSSI - Não, na pesquisa científica é muito difícil
fixar datas. Durante muitos
anos, falamos que uma vacina
seria possível em 5 ou 10 anos e
faz mais de 20 anos que iniciamos as pesquisas e não conseguimos desenvolver nenhuma
vacina. Se você tivesse me perguntado, em dezembro de 1982,
quando eu ira descobrir o agente responsável pela Aids, eu diria que não tinha a menor idéia.
Um mês depois conseguimos
isolar o vírus.
FOLHA - A sra. disse que o Brasil
deu o exemplo no combate à Aids.
Mas muitos vêem a distribuição de
genéricos como ameaça à propriedade intelectual. Robert Gallo diz
que isso desestimula a inovação.
BARRÉ-SINOUSSI - Eu, pessoalmente, considero um exemplo
as decisões que foram tomadas
rapidamente no Brasil para o
acesso aos medicamentos e para a produção de genéricos. É
verdade que os genéricos causam problemas à propriedade
intelectual. Mas há também o
lado bom. A produção de genéricos, além das negociações e
acordos firmados com as farmacêuticas, forçou as empresas a baixarem seus preços a tal
ponto que, hoje, certos remédios clássicos são mais baratos
do que os genéricos.
FOLHA - O Brasil e a Tailândia agiram certo ao ameaçar e quebrar patentes de antirretrovirais? A sra. é a
favor da quebra de patentes?
BARRÉ-SINOUSSI - Em casos particulares como esses, onde há
urgência para a saúde da população, acho que é corajoso tomar esse tipo de decisão.
FOLHA - Alguns estudos têm mostrado que a circuncisão é eficaz para
prevenir a doença na África. A sra.
recomendaria isso?
BARRÉ-SINOUSSI - A circuncisão
não deve ser utilizada como o
único método de prevenção. A
própria Organização Mundial
da Saúde preconiza diferentes
métodos e, entre eles, a circuncisão. Não conheço ninguém
que tenha recomendado a circuncisão como único método.
A utilização de preservativos
deve ser recomendada, mesmo
em pacientes circuncidados.
FOLHA - Então, a sra. é a favor da
circuncisão associada a outros métodos de prevenção?
BARRÉ-SINOUSSI - Sim, porque há
resultados científicos hoje que,
certamente, serão confirmados
em grande escala. Vários estudos indicam que a circuncisão
pode levar a uma diminuição
do risco de mais de 50%.
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