São Paulo, segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUC MONTAGNIER

"Se não há patentes, matamos a pesquisa"

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM PARIS

Leia a entrevista de Luc Montagnier: (ACD)

 

FOLHA - Hoje, poucos arriscam falar em uma vacina contra a Aids. O que tem acontecido?
LUC MONTAGNIER -
Era necessário explorar todas as possibilidades e começar por procedimentos mais clássicos, que já havíamos utilizado, como as vacinas que funcionam para outras doenças virais. Mas, a partir de um determinado ponto, eu mesmo disse que era inútil continuar nesse caminho.
Não podemos seguir a estratégia do vírus. Minha estratégia é começar por testes clínicos que permitam uma resposta rápida.
Se fizermos uma vacina preventiva, estaremos muito mal armados. O modelo do macaco, por exemplo, é uma catástrofe, porque os resultados não podem ser aplicados ao homem.
Então, para uma resposta rápida, não se deve buscar uma vacina preventiva, mas sim uma vacina terapêutica. O objetivo é que o doente possa, então, suspender os antirretrovirais.

FOLHA - O sr. é bastante otimista com relação ao prazo para a descoberta de uma vacina terapêutica, entre dois e três anos...
MONTAGNIER -
Sim, esses resultados podem ser obtidos facilmente. Há voluntários que estão prontos. O que queremos é erradicar o vírus e não somente testar uma vacina por testar. Ao invés de tomarem os medicamentos por décadas, eles serão submetidos a uma terapia curta e, em seguida, será a vacinação que protegerá as pessoas.

FOLHA - O Brasil é citado como um exemplo no combate à Aids. Mas muitos vêem os genéricos como ameaça à propriedade intelectual.
Qual é a posição do sr.?
MONTAGNIER -
O sistema de propriedade intelectual é feito para que as empresas possam usar parte do dinheiro arrecadado com as patentes para financiar as pesquisas. Isso é essencial para o vírus da Aids, que varia o tempo todo e que precisa de novas drogas.

FOLHA - Mas, para os países pobres, há o problema dos preços.
MONTAGNIER -
As indústrias farmacêuticas propõem, hoje, medicamentos a preços bastantes baixos para os países pobres. Os genéricos também estão no mercado, mas, evidentemente, há acordos que limitam o campo de venda desses medicamentos. Que o Brasil produza genéricos para os brasileiros está muito bem. Mas, se eles entrarem em competição [com as drogas patenteadas], aí é outro problema. Mas isso é pouco provável, porque os genéricos são feitos a partir de produtos que não estão mais cobertos por patentes. E a indústria farmacêutica sai na frente com novos inibidores que podem ser vendidos a preços bem mais altos, pois não terão os genéricos como concorrentes.

FOLHA - Nesse caso, o sr. seria a favor da quebra das patentes?
MONTAGNIER -
No caso da Aids, com a ajuda internacional, muitos medicamentos, mesmo os patenteados, são praticamente dados aos pacientes. Há tratamentos gratuitos em vários países africanos. O problema é identificar quem vai ter acesso a esses tratamentos. Há muitos que escondem a doença ou que não querem saber se estão contaminados e que somente recorrem ao tratamento quando estão muito doentes, normalmente muito tarde. O que tem de ser feito é encontrar uma maneira de desmistificar a Aids, mostrar que o fato de ser portador do vírus não deve acarretar problemas no trabalho ou na família.

FOLHA - O sr. não é, então, a favor da quebra de patentes?
MONTAGNIER -
Não. Veja o exemplo da França. Aqui, nós respeitamos as patentes, mas houve uma pressão enorme de vários governos para que fossem reduzidos os preços dos medicamentos. Hoje, os remédios aqui são os mais baratos da Europa. Resultado: não há quase mais nenhuma indústria farmacêutica na França produzindo novas drogas. Se não mantivermos o sistema de patentes, de propriedade intelectual, vamos matar a pesquisa.

FOLHA - Alguns estudos mostram que a circuncisão é uma forma eficiente de prevenir a doença na África. O sr. a recomendaria?
MONTAGNIER -
Não. Se o homem tem uma higiene normal, se ele se lava antes e depois do ato sexual, não há necessidade de circuncisão. É o caso dos muçulmanos. Há menos casos de Aids nos países muçulmanos, que seguem normas de higiene.

FOLHA - O sr. disse que em muitos países africanos os remédios antirretrovirais são dados quase de graça. Mas muita gente, principalmente ONGs, afirma o contrário.
MONTAGNIER -
O problema é por quanto tempo vamos poder manter os medicamentos gratuitos, já que o tratamento dura a vida inteira. Normalmente, as pessoas podem pagar durante um ou dois anos, mas não durante toda a vida. Por isso, um tratamento muito longo na África é impossível.

FOLHA - Robert Gallo foi acusado de ter roubado as suas amostras. O sr. acredita nisso?
MONTAGNIER -
Robert Gallo não roubou nada do nosso laboratório, pois nós mesmos lhe enviamos uma amostra. Acho que ele não percebeu que houve contaminação de seu laboratório, porque o vírus que enviamos a Gallo se multiplica mais rapidamente do que os outros. Nós discutimos sobre isso na época, escrevemos vários artigos juntos. E eu lamento que Gallo não tenha, também, recebido o Nobel, porque ele e seu grupo tiveram um papel importante para mostrar a relação entre o vírus e a Aids. Fomos nós que isolamos o vírus, mas para demonstrar a relação entre ele e a doença acho que os dois laboratórios deram uma grande contribuição. Foi por isso que ele foi chamado de "co-descobridor do vírus", e eu não nego essa apelação.


Texto Anterior: Françoise Barré-Sinoussi: "Decisão de quebrar patente é corajosa"
Próximo Texto: Frases
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.