|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LUC MONTAGNIER
"Se não há patentes, matamos a pesquisa"
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM PARIS
Leia a entrevista de Luc
Montagnier:
(ACD)
FOLHA - Hoje, poucos arriscam falar em uma vacina contra a Aids. O
que tem acontecido?
LUC MONTAGNIER - Era necessário explorar todas as possibilidades e começar por procedimentos mais clássicos, que já
havíamos utilizado, como as
vacinas que funcionam para
outras doenças virais. Mas, a
partir de um determinado ponto, eu mesmo disse que era inútil continuar nesse caminho.
Não podemos seguir a estratégia do vírus. Minha estratégia é
começar por testes clínicos que
permitam uma resposta rápida.
Se fizermos uma vacina preventiva, estaremos muito mal
armados. O modelo do macaco,
por exemplo, é uma catástrofe,
porque os resultados não podem ser aplicados ao homem.
Então, para uma resposta rápida, não se deve buscar uma vacina preventiva, mas sim uma
vacina terapêutica. O objetivo é
que o doente possa, então, suspender os antirretrovirais.
FOLHA - O sr. é bastante otimista
com relação ao prazo para a descoberta de uma vacina terapêutica,
entre dois e três anos...
MONTAGNIER - Sim, esses resultados podem ser obtidos facilmente. Há voluntários que estão prontos. O que queremos é
erradicar o vírus e não somente
testar uma vacina por testar. Ao
invés de tomarem os medicamentos por décadas, eles serão
submetidos a uma terapia curta
e, em seguida, será a vacinação
que protegerá as pessoas.
FOLHA - O Brasil é citado como um
exemplo no combate à Aids. Mas
muitos vêem os genéricos como
ameaça à propriedade intelectual.
Qual é a posição do sr.?
MONTAGNIER - O sistema de propriedade intelectual é feito para que as empresas possam
usar parte do dinheiro arrecadado com as patentes para financiar as pesquisas. Isso é essencial para o vírus da Aids, que
varia o tempo todo e que precisa de novas drogas.
FOLHA - Mas, para os países pobres, há o problema dos preços.
MONTAGNIER - As indústrias farmacêuticas propõem, hoje, medicamentos a preços bastantes
baixos para os países pobres. Os
genéricos também estão no
mercado, mas, evidentemente,
há acordos que limitam o campo de venda desses medicamentos. Que o Brasil produza
genéricos para os brasileiros
está muito bem. Mas, se eles
entrarem em competição [com
as drogas patenteadas], aí é outro problema. Mas isso é pouco
provável, porque os genéricos
são feitos a partir de produtos
que não estão mais cobertos
por patentes. E a indústria farmacêutica sai na frente com
novos inibidores que podem
ser vendidos a preços bem mais
altos, pois não terão os genéricos como concorrentes.
FOLHA - Nesse caso, o sr. seria a favor da quebra das patentes?
MONTAGNIER - No caso da Aids,
com a ajuda internacional,
muitos medicamentos, mesmo
os patenteados, são praticamente dados aos pacientes. Há
tratamentos gratuitos em vários países africanos. O problema é identificar quem vai ter
acesso a esses tratamentos. Há
muitos que escondem a doença
ou que não querem saber se estão contaminados e que somente recorrem ao tratamento
quando estão muito doentes,
normalmente muito tarde. O
que tem de ser feito é encontrar
uma maneira de desmistificar a
Aids, mostrar que o fato de ser
portador do vírus não deve
acarretar problemas no trabalho ou na família.
FOLHA - O sr. não é, então, a favor
da quebra de patentes?
MONTAGNIER - Não. Veja o
exemplo da França. Aqui, nós
respeitamos as patentes, mas
houve uma pressão enorme de
vários governos para que fossem reduzidos os preços dos
medicamentos. Hoje, os remédios aqui são os mais baratos da
Europa. Resultado: não há quase mais nenhuma indústria farmacêutica na França produzindo novas drogas. Se não mantivermos o sistema de patentes,
de propriedade intelectual, vamos matar a pesquisa.
FOLHA - Alguns estudos mostram
que a circuncisão é uma forma eficiente de prevenir a doença na África. O sr. a recomendaria?
MONTAGNIER - Não. Se o homem
tem uma higiene normal, se ele
se lava antes e depois do ato sexual, não há necessidade de circuncisão. É o caso dos muçulmanos. Há menos casos de Aids
nos países muçulmanos, que
seguem normas de higiene.
FOLHA - O sr. disse que em muitos
países africanos os remédios antirretrovirais são dados quase de graça. Mas muita gente, principalmente ONGs, afirma o contrário.
MONTAGNIER - O problema é por
quanto tempo vamos poder
manter os medicamentos gratuitos, já que o tratamento dura
a vida inteira. Normalmente, as
pessoas podem pagar durante
um ou dois anos, mas não durante toda a vida. Por isso, um
tratamento muito longo na
África é impossível.
FOLHA - Robert Gallo foi acusado
de ter roubado as suas amostras. O
sr. acredita nisso?
MONTAGNIER - Robert Gallo não
roubou nada do nosso laboratório, pois nós mesmos lhe enviamos uma amostra. Acho que
ele não percebeu que houve
contaminação de seu laboratório, porque o vírus que enviamos a Gallo se multiplica mais
rapidamente do que os outros.
Nós discutimos sobre isso na
época, escrevemos vários artigos juntos. E eu lamento que
Gallo não tenha, também, recebido o Nobel, porque ele e seu
grupo tiveram um papel importante para mostrar a relação
entre o vírus e a Aids. Fomos
nós que isolamos o vírus, mas
para demonstrar a relação entre ele e a doença acho que os
dois laboratórios deram uma
grande contribuição. Foi por isso que ele foi chamado de "co-descobridor do vírus", e eu não
nego essa apelação.
Texto Anterior: Françoise Barré-Sinoussi: "Decisão de quebrar patente é corajosa" Próximo Texto: Frases Índice
|