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São Paulo, sexta-feira, 14 de fevereiro de 2003

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ARQUEOLOGIA

Cristais de abóboras domesticadas no Equador sugerem que a técnica surgiu entre 10 mil e 12 mil anos atrás

América pode ter agricultura mais velha

REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Parece que está na hora de esquecer tudo o que se sabia sobre a origem da agricultura. Pistas microscópicas sugerem que essa técnica é tão ou mais antiga na América quanto no Velho Mundo, com 10 mil anos de idade. E ela teria começado não com os tradicionais milho ou mandioca, mas com as insuspeitas abóboras.
Os dogmas atacados pela pesquisa que sai na edição de hoje da revista norte-americana "Science" (www.sciencemag.org) não param por aí. Outro pressuposto que pode cair por terra é a idéia de que as regiões equatoriais não tinham as condições necessárias para desenvolver sozinhas a agricultura. Pois as abóboras vêm exatamente do Equador, da pequena península de Santa Elena.
"Acho que nós precisamos esquecer o velho modelo da domesticação das plantas no Oriente Médio", disse à Folha a arqueobotânica Dolores Piperno, 53, do Instituto Smithsonian de Pesquisa Tropical, no Panamá.
"Nossos dados mostram que a profunda mudança ambiental no fim da Era do Gelo levou as pessoas a adotarem a domesticação de vegetais como estratégia de sobrevivência em vários lugares do mundo ao mesmo tempo, inclusive na América", afirma a pesquisadora, que, apesar do nome com ar espanhol, é ítalo-americana.
Os protagonistas dessa reviravolta não podiam ser mais humildes. Conhecidos como fitólitos ("pedras de planta", em grego), não passam de pequenos cristais produzidos pela polpa dos frutos. No caso das abóboras, mal chegam a 100 micrômetros de diâmetro (um micrômetro equivale a um milésimo de milímetro).
Acontece que a dimensão e o formato deles é um indicativo preciso da espécie e da variedade às quais uma planta pertence. Frutos domesticados, mais produtivos e carnudos, têm fitólitos maiores.

Abóboras não tão selvagens
Piperno e sua colaboradora Karen Stothert recolheram fitólitos de sítios da mais antiga cultura do Equador, conhecida como Las Vegas. Eles foram comparados com cristais de outras 115 variedades domesticadas e selvagens de abóbora, e então datados.
O veredicto: eles tinham o tamanho típico apresentado por variedades domesticadas e tinham entre 12 mil e 10 mil anos de idade. "Como todos os cristais de abóboras domésticas são muito menores, as chances de um erro são muito baixas", diz Piperno.
"Puxa, é muito velho mesmo", disse o arqueólogo Eduardo Góes Neves, do MAE (Museu de Arqueologia e Etnologia, da USP), ao saber da data estimada pela pesquisadora. "A Dolores tem proposto sistematicamente três coisas interessantes: datas muito antigas, a existência de mais de um centro de domesticação na América e a possibilidade disso em áreas tropicais", diz Neves.
"Acho extremamente plausível que isso tenha ocorrido na mesma época da domesticação no Oriente Médio", afirma o arqueólogo, que tem trabalhado com Piperno no estudo da agricultura primitiva na Amazônia.
Se mais achados comprovarem a tese, os arqueólogos vão ter de rebolar um bocado para reescrever a origem da agricultura. Afinal, acreditava-se que o Oriente Médio teria sido o pioneiro, há cerca de 10 mil anos, ao domesticar o trigo e a cevada.
Na América, a técnica só teria surgido mais tarde, há 6.000 ou 7.000 anos, com a domesticação do milho em regiões áridas e montanhosas do atual México.
"O que esse trabalho sugere é que, tanto no Novo quanto no Velho Mundo, as pessoas estavam começando a experimentar com plantas nativas de cada região", diz o palinologista (estudioso de pólen) Vaughn Bryant, da Universidade A&M do Texas, que comentou o estudo na "Science".
"Por um bom tempo, nós acreditamos que a primeira domesticação tivesse ocorrido com tubérculos ou outras plantas que exigem pouco cuidado, como as abóboras, em regiões baixas e tropicais. O problema era provar isso, porque o solo dessas áreas destrói a maioria dos restos orgânicas. Com a análise dos fitólitos e do pólen, isso se tornou possível", afirma Bryant.
Para Piperno, os dados sugerem que populações que ocupavam zonas equatoriais foram capazes de realizar domesticações sem ajuda -inclusive na Amazônia. "Era um caminho natural que muitos povos na América tinham de seguir", afirma.


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