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ARQUEOLOGIA
Cristais de abóboras domesticadas no Equador sugerem que a técnica surgiu entre 10 mil e 12 mil anos atrás
América pode ter agricultura mais velha
REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Parece que está na hora de esquecer tudo o que se sabia sobre a
origem da agricultura. Pistas microscópicas sugerem que essa técnica é tão ou mais antiga na América quanto no Velho Mundo,
com 10 mil anos de idade. E ela teria começado não com os tradicionais milho ou mandioca, mas
com as insuspeitas abóboras.
Os dogmas atacados pela pesquisa que sai na edição de hoje da
revista norte-americana "Science" (www.sciencemag.org) não
param por aí. Outro pressuposto
que pode cair por terra é a idéia de
que as regiões equatoriais não tinham as condições necessárias
para desenvolver sozinhas a agricultura. Pois as abóboras vêm
exatamente do Equador, da pequena península de Santa Elena.
"Acho que nós precisamos esquecer o velho modelo da domesticação das plantas no Oriente Médio", disse à Folha a arqueobotânica Dolores Piperno, 53, do
Instituto Smithsonian de Pesquisa Tropical, no Panamá.
"Nossos dados mostram que a
profunda mudança ambiental no
fim da Era do Gelo levou as pessoas a adotarem a domesticação
de vegetais como estratégia de sobrevivência em vários lugares do
mundo ao mesmo tempo, inclusive na América", afirma a pesquisadora, que, apesar do nome com
ar espanhol, é ítalo-americana.
Os protagonistas dessa reviravolta não podiam ser mais humildes. Conhecidos como fitólitos
("pedras de planta", em grego),
não passam de pequenos cristais
produzidos pela polpa dos frutos.
No caso das abóboras, mal chegam a 100 micrômetros de diâmetro (um micrômetro equivale a
um milésimo de milímetro).
Acontece que a dimensão e o
formato deles é um indicativo
preciso da espécie e da variedade
às quais uma planta pertence.
Frutos domesticados, mais produtivos e carnudos, têm fitólitos
maiores.
Abóboras não tão selvagens
Piperno e sua colaboradora Karen Stothert recolheram fitólitos
de sítios da mais antiga cultura do
Equador, conhecida como Las
Vegas. Eles foram comparados
com cristais de outras 115 variedades domesticadas e selvagens de
abóbora, e então datados.
O veredicto: eles tinham o tamanho típico apresentado por variedades domesticadas e tinham entre 12 mil e 10 mil anos de idade.
"Como todos os cristais de abóboras domésticas são muito menores, as chances de um erro são
muito baixas", diz Piperno.
"Puxa, é muito velho mesmo",
disse o arqueólogo Eduardo Góes
Neves, do MAE (Museu de Arqueologia e Etnologia, da USP),
ao saber da data estimada pela
pesquisadora. "A Dolores tem
proposto sistematicamente três
coisas interessantes: datas muito
antigas, a existência de mais de
um centro de domesticação na
América e a possibilidade disso
em áreas tropicais", diz Neves.
"Acho extremamente plausível
que isso tenha ocorrido na mesma época da domesticação no
Oriente Médio", afirma o arqueólogo, que tem trabalhado com Piperno no estudo da agricultura
primitiva na Amazônia.
Se mais achados comprovarem
a tese, os arqueólogos vão ter de
rebolar um bocado para reescrever a origem da agricultura. Afinal, acreditava-se que o Oriente
Médio teria sido o pioneiro, há
cerca de 10 mil anos, ao domesticar o trigo e a cevada.
Na América, a técnica só teria
surgido mais tarde, há 6.000 ou
7.000 anos, com a domesticação
do milho em regiões áridas e
montanhosas do atual México.
"O que esse trabalho sugere é
que, tanto no Novo quanto no Velho Mundo, as pessoas estavam
começando a experimentar com
plantas nativas de cada região",
diz o palinologista (estudioso de
pólen) Vaughn Bryant, da Universidade A&M do Texas, que comentou o estudo na "Science".
"Por um bom tempo, nós acreditamos que a primeira domesticação tivesse ocorrido com tubérculos ou outras plantas que exigem pouco cuidado, como as
abóboras, em regiões baixas e tropicais. O problema era provar isso, porque o solo dessas áreas destrói a maioria dos restos orgânicas. Com a análise dos fitólitos e
do pólen, isso se tornou possível",
afirma Bryant.
Para Piperno, os dados sugerem
que populações que ocupavam
zonas equatoriais foram capazes
de realizar domesticações sem
ajuda -inclusive na Amazônia.
"Era um caminho natural que
muitos povos na América tinham
de seguir", afirma.
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