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BIOLOGIA
Agrônomo da Unicamp diz que obteve variedade descafeinada da planta de maneira legal e que venderá o produto
Cientista nega biopirataria de café etíope
MARCUS VINICIUS MARINHO
FREE-LANCE PARA A FOLHA
A notícia correu mundo, e o café
quase ficou amargo. Três semanas após divulgar a descoberta em
Campinas de três plantas de origem etíope que produzem café
naturalmente descafeinado, o
pesquisador da Unicamp Paulo
Mazzafera rebateu ontem acusações de que as sementes de café tenham sido levadas da Etiópia ilegalmente. As críticas, veiculadas
pela agência Reuters, vieram de
produtores e do governo etíope.
"Eu nunca estive na Etiópia e
usei plantas obtidas pelo IAC
[Instituto Agronômico de Campinas] em uma missão oficial da
FAO [Organização das Nações
Unidas para a Agricultura e Alimentação], com apoio e cooperação do governo da Etiópia. Se me
acusam dessas coisas é porque
não leram meu artigo", diz Mazzafera, reafirmando que o IAC
pretende explorar comercialmente a descoberta das plantas.
A notícia do achado, publicada
em 24 de junho na revista científica "Nature" (www.nature.com)
chamou a atenção dos consumidores da versão sem cafeína da
bebida -que representa 10% do
café consumido no mundo.
Juntamente com Bernardete Silvarolla e Luiz Fazuoli, do IAC,
Mazzafera descobriu no banco de
germoplasma (coleção de material vegetal vivo) da entidade três
plantas com cerca de 6% do teor
normal de cafeína das plantas da
espécie Coffea arabica, a variedade mais consumida e apreciada de
café do mundo.
Embora Mazzafera tenha dito à
Folha no fim do mês passado que
um produto oriundo das plantas
só poderia, por razões técnicas,
chegar ao mercado em cinco
anos, a resposta dos etíopes foi rápida. O primeiro-ministro Meles
Zenawi disse à Reuters que estava
acompanhando com atenção o
assunto e que esperava que o Brasil e a Etiópia pudessem chegar a
uma solução que "beneficie ambos os lados".
O presidente da Associação
Etíope de Exportadores de Café
(Ecea), Hailue Gebre Hiwot, foi
além: exigiu por meio da mesma
agência explicações sobre como
as plantas vieram parar no Brasil.
Hiwot acusou os cientistas de serem arrogantes, antiprofissionais
e injustos por terem divulgado o
fato para o mundo sem o conhecimento etíope. "O domínio da
planta é da Etiópia. Ele deveria ter
informado autoridades etíopes
antes de fazer o anúncio, como se
a planta pertencesse ao Brasil."
Acordo solidário
Mazzafera enviou à Folha documentos que mostram que o cientista do IAC que foi à Etiópia na
década de 1960 na missão da FAO,
Lourival do Carmo Monaco (hoje
secretário-executivo de Ciência e
Tecnologia do Estado de São Paulo), trouxe as sementes de café legalmente ao Brasil para compor a
base do banco de germoplasma
do IAC. Segundo Mazzafera, cópias dessa coleção foram feitas para Índia, Portugal, Costa Rica e a
própria Etiópia.
Monaco, que recebeu em 1964
as 200 sementes que geraram o
banco do IAC, de 6.000 plantas,
não pôde ser encontrado ontem.
Segundo Mazzafera, houve um
mal-entendido do governo do
país. "O primeiro-ministro fala
em uma crise que não existe." O
cientista diz que o IAC venderá
sementes das plantas e afirmou
que qualquer um dos países que
possuam as coleções podem fazer
o mesmo. "Eles devem estar loucos procurando isso agora", disse.
No entanto, Antônio de Pádua
Nacif, gerente-geral da Embrapa
Café e coordenador do Consórcio
Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento de Café, diz que o Brasil
negocia com a Etiópia uma cooperação. A motivação, segundo
ele, é a "solidariedade humana" e
a vontade de "deixar uma porta
aberta" entre os dois países.
Ele diz que, como o material foi
coletado com autorização do país
antes da Convenção da Diversidade Biológica, no Rio, em 1992, não
há obrigação brasileira em negociar o material com o país. "Mas
temos interesse em estabelecer
parcerias com um país amigo como a Etiópia", diz Nacif.
A propriedade de material genético é um assunto espinhoso.
Via de regra, não é possível patentear organismos vivos a não ser
que sejam geneticamente modificados. Mazzafera diz que tentará
registrar a variedade da planta segundo a convenção da União Internacional para a Proteção da
Variedade de Plantas -seu único
benefício seria que os produtores
que comprem suas sementes não
possam revendê-las diretamente.
Colaborou Ana Flor,
da Sucursal de Brasília
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