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Tirando onda
Brasileiro desenvolve modelo inédito para prever ondas em lagos e rios, o que pode ajudar a reduzir acidentes de navegação no Amazonas
EDUARDO GERAQUE
DA REPORTAGEM LOCAL
Assim como a previsão das ondas no
canal da Mancha foi
decisiva para o sucesso do desembarque das tropas aliadas no Dia D,
em 1944, saber como será o
comportamento das ondulações em lagos é igualmente vital. O problema é que, até hoje,
ninguém desenvolveu um modelo eficiente para esse tipo de
previsão. Um brasileiro quer
mudar essa história.
Marcelo Marques, da UEM
(Universidade Estadual de Maringá), desenvolveu um modelo matemático para prever ondas em lagos que já foi testado
com sucesso em dois reservatórios brasileiros, o das hidrelétricas de Ilha Solteira e de
Porto Primavera (Usina Hidrelétrica Engenheiro Sérgio Motta), ambos nas fronteiras do
Estado de São Paulo.
O próximo passo, segundo
disse Marques à Folha, é testar
as equações armazenadas em
um programa de computador
feito por ele no reservatório da
usina de Itaipu. O desafio é obter uma previsão também eficiente em uma área maior.
O reservatório da usina binacional, com os seus 1.350 quilômetros quadrados de área
inundada, é o sétimo maior do
Brasil. Mas, segundo Marques,
ele é considerado o maior em
termos de geração de energia.
A Lagoa dos Patos, no Rio
Grande do Sul, é o maior corpo
de água doce em extensão.
"A previsão de ondas, em termos gerais, é importante tanto
para evitar a erosão das bordas
dos lagos quanto para impedir
acidentes de navegação", disse
o pesquisador da UEM.
No caso de Itaipu, onde os
novos testes vão ocorrer até o
fim do ano, saber o comportamento das ondas tem mais
uma aplicação: "Com base nas
ondulações é possível saber onde será melhor colocar os tanques de criação de peixes. Existem espécies que gostam de
ondas e outras que não".
A pista do vento
O modelo matemático feito
por Marques faz a previsão das
ondas, por enquanto, com uma
hora de antecedência. O programa de computador é alimentado pela força e pela intensidade do vento e pela área
da superfície do lago afetada
pelo deslocamento de ar (a chamada pista do vento).
Todos os dados são referenciados geograficamente e apresentados sobre as imagens de
satélite dos reservatórios.
"Até hoje, só existem modelos de previsão exclusivos para
ondas marítimas. O brasileiro
poderá ser usado em todo o
mundo", afirma Marques. "Ele
é feito com software livre."
Segundo o pesquisador, com
algumas adaptações, que incluem o cálculo das correntes, o
modelo de ondas lacustres
também poderá ser usado em
rios, como os amazônicos, onde
a quantidade de acidentes com
barcos é freqüente. "Nas hidrovias, mesmo em São Paulo, nós
temos também acidentes por
causa de ondas e ventos", disse.
Mas, mesmo depois de o programa de previsão brasileiro ficar totalmente pronto, o desafio a ser vencido será o de investir em infra-estrutura, afirma o
pesquisador da UEM.
"Será preciso instalar estações meteorológicas nos lagos
para que os dados básicos [como a velocidade e a intensidade
do vento] estejam disponíveis e
nós possamos alimentar corretamente o modelo." O uso de
ondógrafos (equipamento para
medir as ondas) também é importante, segundo o cientista.
Segredo de guerra
Do ponto de vista metodológico, o pesquisador da UEM
usou como um dos seus pontos
de partida o modelo de previsão de ondas desenvolvido pelo
oceanógrafo norueguês Harald
Sverdrup (1888-1957) -que
chegou a participar de uma expedição ao Ártico como membro da equipe do seu compatriota Roald Amundsen- e pelo austríaco Walter Munk, 91, e
que depois foi adaptado e melhorado por outros cientistas.
As equações para prever ondas montadas pela dupla, trabalhando já nos Estados Unidos para os aliados durante a
Segunda Guerra Mundial, evitaram que muitos soldados que
participaram do desembarque
histórico na noite de 6 de junho
de 1944 na Normandia (França) morressem simplesmente
afogados, segundo vários analistas de guerra que escreveram
sobre o Dia D.
A operação de guerra foi
adiada em um dia por causa
também das péssimas condições do tempo no dia 5 de junho. E o mesmo ocorreu com a
publicação científica dos trabalhos sobre oceanografia.
Sigilosos durante os anos de
guerra, os estudos só foram liberados para publicação pelas
autoridades dos Estados Unidos em novembro de 1945,
aproximadamente dois meses
após o fim dos combates.
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