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Esclerose múltipla pode ter origem dupla
Estudo com ratos realizado na Unicamp aponta novo caminho para entendimento da inflamação cerebral degenerativa
Desligamento de sinapses,
dizem brasileiros, é mais
importante para a doença
que perda de mielina, tida
hoje como a causa do mal
EDUARDO GERAQUE
DA REPORTAGEM LOCAL
O cérebro dos mamíferos
surpreende mais uma vez. Testes feitos em roedores nos laboratórios da Unicamp abriram
um novo caminho para o entendimento das causas da esclerose múltipla, doença neurodegenerativa rara que atinge
1,5 milhão de pessoas no mundo (30 mil no Brasil). O principal fator suspeito de causar os
surtos da doença pode não ser o
primeiro que deve ser realmente atacado pela medicina.
Esclerose múltipla é uma
doença inflamatória do sistema
nervoso central. O paciente
apresenta surtos ao longo do
tempo. A principal dificuldade
é a perda da coordenação motora. O mal tem caráter auto-imune, ou seja, o próprio sistema de defesa do organismo é o
causador do problema.
Até hoje, todos os estudos indicavam que a falta de mielina
(membrana especial que reveste determinados neurônios)
desencadeava os distúrbios. É
como se os fios (neurônios) do
sistema nervoso estivessem desencapados. Os impulsos elétricos não fluem naturalmente
e as informações que trafegam
no cérebro são perdidas.
"A desmielinização é um fator importante para o aparecimento da esclerose múltipla. O
que conseguimos demonstrar é
que existe um outro mecanismo mais importante para o surgimento dos surtos", explicou à
Folha Alexandre Oliveira, professor do Departamento de
Anatomia da Unicamp. Os resultados produzidos em Campinas serão publicados, nos
próximos meses, no "European
Journal of Neuroscience"
(www.blackwell-synergy.
com/loi/EJN).
O trabalho com ratos revela
que os disjuntores do cérebro
-as sinapses, pontos de contato dos neurônios, onde a informação é transmitida de uma
célula a outra- não podem ficar desligados. Se isso ocorrer,
aparece um surto da doença.
Em outras palavras, a equipe
da Unicamp mostrou que não
adianta arrumar a fiação -onde se concentram hoje as buscas por um tratamento- e deixar os disjuntores defeituosos
funcionando. Por outro lado, se
eles estiverem todos ligados,
mesmo com fios desencapados,
a informação será transmitida,
ainda que precariamente.
"É por isso que, quando as sinapses voltam a funcionar,
mesmo com a presença da desmielização, o paciente pode ter
recuperado os sintomas da
doença". Em humanos, segundo o pesquisador, exames de
ressonância magnética costumam mostrar a falta de mielina
em trechos do sistema nervoso,
mesmo com o paciente tendo
recobrado as funções motoras.
Lacuna preenchida
O comportamento dos neurônios nas fases de aparecimento e retorno dos surtos da
esclerose múltipla, o que é chamado de plasticidade sináptica,
explica melhor, segundo Oliveira, o ritmo da doença.
"Havia uma lacuna. Mas a
plasticidade parece ser o fator
determinante para o desligamento dos circuitos nervosos
durante o curso da esclerose
múltipla". A explicação vale para o retorno dos surtos. Quando
as sinapses voltam a funcionar
-ninguém sabe ainda por
quê-, os sintomas somem.
"Não há uma correlação direta
entre remielinização e melhora
do quadro, por isso que essa outra via parece mais viável", diz.
Apesar dos estudos serem experimentais, quem continuar
nesse percurso aberto na Unicamp poderá ter bons resultados. "A descoberta permite desenvolver estratégias de preservação dos circuitos nervosos. Assim, seria possível controlar melhor a esclerose múltipla, independente da reação
auto-imune", explica Oliveira.
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