São Paulo, sábado, 15 de janeiro de 2005

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ESPAÇO

Sonda européia transmite por duas horas da superfície de Titã, astro localizado a mais de 1 bilhão de km da Terra

Nave faz pouso histórico em lua de Saturno

Michael Probst/Associated Press
Controladores em centro da ESA na Alemanha aguardam sinais da Huygens; no detalhe, primeira imagem da superfície do astro


SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Num feito histórico, um cenário fascinante, alienígena e desolador foi revelado pela sonda européia Huygens ontem. Ela transmitiu imagens capturadas na superfície de Titã, a maior e mais misteriosa das luas de Saturno, situada a mais de 1 bilhão de quilômetros da Terra. Foi o pouso mais distante já realizado por uma sonda construída por seres humanos.
As primeiras fotografias desse novo mundo já começaram a confirmar algumas das suspeitas dos cientistas. Há forte evidência de materiais líquidos na superfície da lua (provavelmente metano e etano), embora a sonda em si tenha pousado em terreno sólido. E é possível que a Huygens tenha fotografado fluxos provenientes de criovulcões -erupções similares às que ocorrem na Terra, mas de materiais gelados (Titã é um lugar muito frio, com temperaturas da ordem de -180C.)
Os dados coletados estão sendo analisados e darão trabalho aos cientistas pelos próximos anos. Ontem foi o dia para comemorar o grande feito de engenharia.
Contrariando as probabilidades, tudo deu certo. Às 7h13 de ontem (horário de Brasília), a sonda atinge a atmosfera de Titã, a 18 mil km/h. Quatro minutos depois, um primeiro pára-quedas se abre, tirando a tampa superior da nave e liberando o pára-quedas principal. Menos de um minuto depois, a Huygens começa a coletar dados e transmiti-los à sua nave-mãe, a sonda Cassini.
A espaçonave orbital está passando logo acima, a 60 mil quilômetros de altitude. O veículo está temporariamente sem contato com a Terra, pois voltou sua antena principal para Titã, a fim de captar o chamado de sua "filha".
Às 7h32, o pára-quedas principal se solta e um outro, menor, se abre. Às 9h30, perto do chão, a Huygens liga uma lanterna. Cerca de quatro minutos depois, ela toca a superfície. Continua transmitindo dados até a Cassini sair do alcance de comunicação, às 11h44.
Meia hora depois, a Cassini começa a retransmitir os dados. Eles levam mais de uma hora para vencer a distância entre Saturno da Terra e serem recebidos pelos cientistas no controle da missão na Alemanha. A festa é geral.
"Esse é um grande feito para a Europa e para seus parceiros norte-americanos nesse ambicioso esforço internacional para explorar o sistema saturnino", disse Jean-Jacques Dordain, o diretor-geral da ESA (Agência Espacial Européia), órgão responsável pela construção da Huygens.

Parceria
A missão foi planejada conjuntamente pela Nasa (agência espacial americana) e pela ESA, com custo de mais de US$ 3 bilhões.
A nave orbital, responsabilidade americana, foi batizada em homenagem ao astrônomo ítalo-francês Jean-Dominique Cassini (1748-1845), que descobriu o principal "vão" nos anéis de Saturno e quatro de suas luas.
Ao veículo que pousaria em Titã coube a tarefa de homenagear o descobridor dessa lua, o astrônomo holandês Christiaan Huygens (1629-1695), que também descobriu que Saturno tinha anéis.
Para chegar a esse momento histórico, as duas sondas tiveram de viajar por sete anos. "Os cientistas da Huygens estão todos encantados. Isso valeu a longa espera", disse Jean-Pierre Lebreton, gerente da missão na ESA.
Além de oferecer as primeiras fotografias da superfície de Titã, até então escondida pela densa e enevoada atmosfera da lua, os dados da Huygens devem conter fatos sobre a composição química da atmosfera, do solo e do clima.

Primeiras conclusões
As imagens enviadas pela Huygens já estão alimentando especulações dos cientistas. A primeira a ser divulgada foi uma tomada feita do alto, em que é possível ver traços negros na superfície.
"Parece-me um fluxo de lava gelada. Ao menos, é a minha primeira impressão", diz Rosaly Lopes, geóloga brasileira que trabalha no JPL (Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa) com o radar da Cassini. "Nós achamos que há lava de gelo em Titã e isso me pareceu se um desses fluxos."
Numa outra imagem, tirada do solo, pode-se ver o ambiente em que a Huygens pousou. Mais uma vez, Lopes enxerga sinais de líquidos em ação. "As rochas parecem ser arredondadas. Isso indica que estavam num rio ou fluxo, ou que houve algum tipo de erosão", especula. "Mas é cedo para dizer alguma coisa definitivamente."
Os cientistas estão interessados em Titã por pensarem que a lua de Saturno, rica em compostos orgânicos e com atmosfera predominantemente feita de nitrogênio, é similar ao que a Terra era há bilhões de anos, quando a vida estava para surgir aqui. "Há três lugares no Sistema Solar em que há alguma esperança de encontrar sinal de vida", afirma Lopes. "Marte é um bom candidato; Europa, a lua de Júpiter; e Titã."


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