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+ Marcelo Gleiser
Buracos negros em fúria
Fenômeno representa a união do macro com o micro
Sempre que menciono buracos
negros, detecto no rosto das pessoas um misto de fascínio e terror. Como podem meros restos mortais de estrelas ser capazes de criar
rupturas no aspecto mais fundamental da realidade, a continuidade do espaço e do tempo? Não é exagero dizer
que buracos negros representam a
fronteira entre o racional e o absurdo,
entre o possível e o desconhecido.
Se os buracos negros sugam tudo e
não emitem luz, como sabemos que
eles existem? Na verdade, a história
não é bem assim. Quando a matéria é
acelerada na direção de um buraco negro, como água escoando por um ralo
de banheira, ela pode emitir radiação.
Essa radiação, de natureza eletromagnética, pode ser de vários tipos: se for
na freqüência da luz visível, podemos
vê-la. Se for no infravermelho ou no
ultravioleta, temos de usar telescópios
especializados nessas freqüências.
Hoje, a astronomia usa muitas janelas
para ver os céus.
Dentre as várias assinaturas eletromagnéticas dos buracos negros, a
mais espetacular é criada pelos gigantes da ordem, estruturas com massas
que podem chegar a milhões ou até
centenas de milhões de massas solares. Por incrível que pareça, esses
monstros cósmicos habitam o coração
da maioria das galáxias. Mesmo a nossa Via Láctea tem um buraco negro gigante, com massa equivalente à de 3
milhões de sóis.
Esses buracos negros parecem ser
os responsáveis pelos eventos mais
violentos no cosmo, as explosões e os
jatos que emitem a forma mais energética de radiação, os raios gama: apenas reações nucleares ou subnucleares podem atingir tais energias. E eles
não existem apenas agora. Alguns deles são quase tão antigos quanto o próprio Universo, emitindo incríveis
quantidades radiação em explosões
que ocorreram há 10 bilhões de anos,
muito antes de o Sistema Solar existir.
Como detectar essa radiação?
Enquanto eu escrevia esta coluna, o
telefone tocou. Era o físico brasileiro
Eduardo do Couto e Silva, pesquisador permanente na Universidade de
Stanford, nos EUA, especializado em
física de altas energias. Eduardo me ligou da Flórida, algumas horas antes
do lançamento do Glast (Telescópio
Espacial de Grande Área de Raios Gama, na sigla em inglês), o poderoso telescópio orbital desenhado justamente para estudar a radiação gama emitida por buracos negros ou na colisão de
estrelas de nêutrons.
Eduardo é o vice-diretor do centro
de operações científicas do telescópio
principal do Glast, uma posição de
imensa responsabilidade. "Nosso telescópio será capaz de detectar fenômenos nunca antes vistos", disse, empolgado. "Será uma perfeita união entre a astrofísica e a física de altas energias. O que medimos no espaço terá de
ser comparado com o que for descoberto no LHC". O Large Hadron Collider (Grande Colisor de Hádrons em
inglês) é o imenso acelerador de partículas que deve entrar em funcionamento ainda neste ano na Suíça.
Aliás,
foi no Cern, a casa do LHC, que encontrei Eduardo pela primeira vez,
em 1998. O Glast representa de forma
ideal a união do macro com o micro.
Com resolução milhares de vezes
melhor que a de seu antecessor, o
Glast promete grandes descobertas.
Não só a compreensão da física por
trás da geração das energias mais altas
que existem (podemos sempre aprender com isso), como talvez a descoberta de novas partículas elementares e
até dimensões extra do espaço. "Claro,
essas descobertas teriam de ser compatíveis com o que ocorrer no LHC",
diz Eduardo, cauteloso. Na sua voz,
notei o mesmo entusiasmo de uma
criança prestes a desembrulhar um
brinquedo novo, cheio de surpresas
inimagináveis.
MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "A Harmonia do Mundo"
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