São Paulo, domingo, 15 de junho de 2008

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+ Marcelo Gleiser

Buracos negros em fúria

Fenômeno representa a união do macro com o micro

Sempre que menciono buracos negros, detecto no rosto das pessoas um misto de fascínio e terror. Como podem meros restos mortais de estrelas ser capazes de criar rupturas no aspecto mais fundamental da realidade, a continuidade do espaço e do tempo? Não é exagero dizer que buracos negros representam a fronteira entre o racional e o absurdo, entre o possível e o desconhecido.
Se os buracos negros sugam tudo e não emitem luz, como sabemos que eles existem? Na verdade, a história não é bem assim. Quando a matéria é acelerada na direção de um buraco negro, como água escoando por um ralo de banheira, ela pode emitir radiação.
Essa radiação, de natureza eletromagnética, pode ser de vários tipos: se for na freqüência da luz visível, podemos vê-la. Se for no infravermelho ou no ultravioleta, temos de usar telescópios especializados nessas freqüências.
Hoje, a astronomia usa muitas janelas para ver os céus.
Dentre as várias assinaturas eletromagnéticas dos buracos negros, a mais espetacular é criada pelos gigantes da ordem, estruturas com massas que podem chegar a milhões ou até centenas de milhões de massas solares. Por incrível que pareça, esses monstros cósmicos habitam o coração da maioria das galáxias. Mesmo a nossa Via Láctea tem um buraco negro gigante, com massa equivalente à de 3 milhões de sóis.
Esses buracos negros parecem ser os responsáveis pelos eventos mais violentos no cosmo, as explosões e os jatos que emitem a forma mais energética de radiação, os raios gama: apenas reações nucleares ou subnucleares podem atingir tais energias. E eles não existem apenas agora. Alguns deles são quase tão antigos quanto o próprio Universo, emitindo incríveis quantidades radiação em explosões que ocorreram há 10 bilhões de anos, muito antes de o Sistema Solar existir.
Como detectar essa radiação? Enquanto eu escrevia esta coluna, o telefone tocou. Era o físico brasileiro Eduardo do Couto e Silva, pesquisador permanente na Universidade de Stanford, nos EUA, especializado em física de altas energias. Eduardo me ligou da Flórida, algumas horas antes do lançamento do Glast (Telescópio Espacial de Grande Área de Raios Gama, na sigla em inglês), o poderoso telescópio orbital desenhado justamente para estudar a radiação gama emitida por buracos negros ou na colisão de estrelas de nêutrons.
Eduardo é o vice-diretor do centro de operações científicas do telescópio principal do Glast, uma posição de imensa responsabilidade. "Nosso telescópio será capaz de detectar fenômenos nunca antes vistos", disse, empolgado. "Será uma perfeita união entre a astrofísica e a física de altas energias. O que medimos no espaço terá de ser comparado com o que for descoberto no LHC". O Large Hadron Collider (Grande Colisor de Hádrons em inglês) é o imenso acelerador de partículas que deve entrar em funcionamento ainda neste ano na Suíça.
Aliás, foi no Cern, a casa do LHC, que encontrei Eduardo pela primeira vez, em 1998. O Glast representa de forma ideal a união do macro com o micro.
Com resolução milhares de vezes melhor que a de seu antecessor, o Glast promete grandes descobertas.
Não só a compreensão da física por trás da geração das energias mais altas que existem (podemos sempre aprender com isso), como talvez a descoberta de novas partículas elementares e até dimensões extra do espaço. "Claro, essas descobertas teriam de ser compatíveis com o que ocorrer no LHC", diz Eduardo, cauteloso. Na sua voz, notei o mesmo entusiasmo de uma criança prestes a desembrulhar um brinquedo novo, cheio de surpresas inimagináveis.


MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "A Harmonia do Mundo"


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