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ENTREVISTA
Segundo o farmacólogo Sérgio Ferreira, falta projeto eficiente de integração entre universidades e indústrias
Cientista critica política de presidenciáveis
Wides Barbosa/Diário da Manhã
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O farmacólogo Sérgio Ferreira dá palestra em reunião da SBPC |
ANTÔNIO GOIS
RICARDO BONALUME NETO
ENVIADOS ESPECIAIS A GOIÂNIA
Os candidatos à Presidência da
República ainda não conseguiram apresentar uma proposta clara e eficiente para resolver um
problema fundamental da ciência
brasileira: integrar a indústria e a
universidade para desenvolver,
de forma mais eficiente, a pesquisa tecnológica. A opinião é de Sérgio Henrique Ferreira, um dos
mais celebrados cientistas do país.
O farmacólogo Ferreira, 67,
professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP, foi
eleito recentemente para a prestigiosa Academia Nacional de
Ciências dos EUA, sendo o quarto
brasileiro a fazer parte dela, graças a seus trabalhos na pesquisa
da dor e da hipertensão.
Ex-presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso
da Ciência), ele concedeu entrevista à Folha durante a 54ª Reunião Anual da entidade, realizada
na semana passada, em Goiânia.
Apesar de reconhecer que os
projetos genoma no país, especialmente em São Paulo, tiveram
méritos, Ferreira critica essa atividade: "Fazer genoma não é ciência, é meia ciência". Leia, a seguir,
trechos da entrevista.
Folha - O senhor já avaliou as propostas dos candidatos à Presidência para a área de Ciência e Tecnologia? O que achou delas?
Sérgio Henrique Ferreira - Já ouvimos os candidatos falando e já
deu para perceber que não encontramos nenhuma novidade nas
suas propostas. Todos dizem que
ciência é importante e que é necessário promover a associação
entre universidade e indústria.
Mas nenhum deles fez essa proposta de forma clara, dizendo que
o desenvolvimento é de responsabilidade industrial e do governo,
que deve estimular por meio de
seus órgãos de fomento e dos ministérios o desenvolvimento tecnológico. Não basta forçar a união
da universidade com a indústria
de e achar que isso vai resolver.
Não adianta, por exemplo, a Fapesp (Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo)
investir para que uma universidade execute o desenvolvimento de
um produto para uma indústria.
Isso é uma deseducação do sistema. Não se pode pôr um estudante que vai fazer uma pós-graduação para desenvolver uma patente
da qual ele não será proprietário.
Folha - Mas há casos de universidades que esbarram, até sem querer, em um composto que é interessante e querem patenteá-lo.
Ferreira - Isso ocorre frequentemente. Muitas idéias estão na universidade, mas não é ela que faz o
desenvolvimento. A universidade
chega a um protótipo. Ela chega a
uma idéia de como se faz o raio laser ou um novo analgésico. Essa é
a visão do desenvolvimento científico universitário. Pegar esse
possível medicamento e fazer
com que ele chegue ao mercado é
função de um sistema que saiba
indicar o desenvolvimento tecnológico. É o que a indústria tem.
Folha - Resolver a questão da integração harmônica entre a universidade e a indústria é mesmo
um problema simples?
Ferreira - É um problema simples, mas de decisão estratégica.
Não basta dizer que o Ministério
da Ciência e Tecnologia fará esse
desenvolvimento. É preciso envolver outros órgãos de governo.
O Ministério da Saúde deve pensar em desenvolvimento de fármacos a partir de plantas. Uma
fração pequeníssima de investimento desse ministério seria uma
verba maior do que a do CNPq.
Folha - O governo atual não tentou ampliar essa associação por
meio dos fundos setoriais de investimento em pesquisa?
Ferreira -Esse governo imaginou
os fundos setoriais como sendo o
processo que reorganizaria o investimento em ciência. Mas o
maior problema que nós temos
de compreender é o que se quer
com a associação entre universidade e empresa. O que caracteriza
uma indústria inovadora é ter laboratórios. Isso não acontece como política de desenvolvimento
tecnológico no Brasil. Pode ocorrer somente na Petrobras, na Embraer e na Vale do Rio Doce, que
são instituições que já cresceram
dentro de um prisma de visão nacionalista, refletindo idéias nacionalistas do governo militar.
Folha - Não é curioso que hoje a
SBPC, que sempre combateu o regime militar, veja hoje aspectos positivos dessa época?
Ferreira - As coisas sempre têm
seu ponto negativo e positivo. O
interessante no caso do regime
militar é a gente analisar porque
eles caíram na América Latina. Na
minha opinião, foi porque os Estados Unidos perceberam que os
militares latino-americanos eram
nacionalistas. O mercado jamais
seria aberto com um governo nacionalista. Os militares, mesmo
estando errados em alguns casos
na proteção ao mercado, não iam
abrir facilmente a economia.
Folha - Muitos cientistas são chamados de pessimistas quando reclamam da estrutura da universidade pública brasileira, que concentra as pesquisas. Como explicar
que um sistema tão criticado tenha
sido capaz de desenvolver um projeto como o genoma?
Ferreira - Fazer genoma não é
ciência, é meia ciência. É o desenvolvimento de uma técnica que
não requer nenhuma hipótese.
Desenvolver é resolver problemas. Se o objetivo dessa rede [financiada pela Fapesp para sequenciar o genoma da bactéria
causadora da praga do amarelinho, que ataca laranjas" era resolver o problema do amarelinho,
essa rede falhou.
Exemplificando, é como se uma
fábrica, para resolver o problema
de um indivíduo que não consegue entrar em casa porque perdeu
a chave, produzisse 3,8 milhões de
chaves diferentes e entregasse a
ele como solução para o problema. Você tem de fazer o oposto:
descobrir o problema e procurar
o gene que o causa. Será que é preciso decifrar o genoma de tudo
para resolver um problema? Essa
é a falácia da direção da Fapesp.
Isso não quer dizer que o projeto
não tenha sido importante, já que
alguns setores puderam aproveitar muito da experiência e do desenvolvimento de softwares da
área. Mas a visão da bola de neve
que isso está tendo é problemática. Quando isso vai terminar?
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