São Paulo, domingo, 15 de novembro de 1998

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CIÊNCIA
Pesquisadores mapeiam estímulos subliminares do cérebro humano
Razão inconsciente

Divulgação
Imagem de cerébro humano, que pode processar informações sem que a pessoa saiba


RICARDO BONALUME NETO
especial para a Folha

O cérebro humano é capaz de processar informações sem que a própria pessoa tome conhecimento disso, de uma maneira bem mais intensa do que se imaginava até agora. Mais ainda: o cérebro também se prepara secretamente para agir com base no que foi percebido inconscientemente.
Ou seja, informações inconscientes podem servir para guiar ações subsequentes e conscientes da pessoa.
Essas conclusões podem ser tiradas de pesquisa feita por Stanislas Dehaene, do Service Hospitalier Frédéric Joliot, de Orsay, França, e mais sete colegas, publicada na revista "Nature" em sua edição de 8 de outubro passado.
Os estímulos subliminares são aqueles que não têm intensidade suficiente para que se tome consciência deles. A equipe de Dehaene conseguiu medir e visualizar esses estímulos influenciando a atividade cerebral.

Tempo curto demais
Os experimentos consistiram basicamente em mostrar para voluntários durante frações de segundo imagens de números em meio a uma massa de outras informações. O tempo era curto demais para que a pessoa pudesse tomar consciência dos números.
Mas, apesar disso, o cérebro processou a informação subliminarmente e depois isso facilitou, tornando mais rápida, a execução de uma tarefa exigindo raciocínio e ação motora -apertar um botão para classificar um número visível (e portanto consciente).
Cada teste consistiu em apresentar dois números, o primeiro subliminarmente, em uma duração de apenas 43 milésimos de segundo, e um segundo, chamado número-alvo, apresentado com uma duração suficiente (200 milésimos de segundo) para ser percebido conscientemente.
Os voluntários tinham então que classificar o número-alvo, comparando-o com o número cinco. Se fosse menor que cinco, teriam que apertar um botão com a mão esquerda; se fosse maior, usariam a mão direita.

Testes diferentes
Os testes eram divididos em "congruentes", isto é, os números (o subliminar-preparatório e o consciente-alvo) estavam ambos ou acima ou abaixo de cinco, e os "incongruentes", nos quais havia diferença entre os números (um estava abaixo e outro acima de cinco).
"Nosso primeiro resultado foi demonstrar que, quando ambos os números estavam localizados no mesmo lado -testes congruentes-, os tempos de resposta para fazer a comparação, concernindo exclusivamente o número-alvo, eram significativamente menores do que acontecia quando os números estavam em lados diferentes em relação ao número cinco, os testes incongruentes", declarou à Folha um dos membros da equipe, Lionel Naccache, também do Service Hospitalier Frédéric Joliot.
Esses resultados mostram que houve um processamento pelo cérebro em termos de significado dos números percebidos inconscientemente. Isso porque o efeito não dependia da forma como os números eram apresentados, seja como algarismo ("6", por exemplo), seja por escrito ("seis").

A hipótese formulada
Depois de ter observado que os tempos de resposta eram menores para os testes "congruentes", os cientistas queriam testar uma hipótese.
"Será que mesmo que você não perceba conscientemente o número preparatório, o seu cérebro de qualquer modo o processaria até um estágio motor?", nas palavras de Naccache.
Ou seja, o estímulo subliminar já deixaria tudo preparado para o ato de levantar a mão -esquerda ou direita-, faltando só fazê-lo.
Para checar essa prontidão inconsciente, foi preciso tentar visualizar o cérebro em ação.
Os pesquisadores registraram eletroencefalogramas dos voluntários -ou seja, mediram as correntes elétricas no cérebro, por meio de eletrodos colocados no couro cabeludo. Eles usaram para isso uma rede abrangente de 128 eletrodos.
O objetivo era medir a atividade elétrica produzida por grandes conjuntos de neurônios (células nervosas) durante o processo de comparação numérica.
O eletroencefalograma mede uma grande quantidade de eventos cerebrais, nem todos relacionados com a atividade que se quer estudar. Por isso são necessários muitos testes para que se possa ir filtrando os resultados, isolando, pela média das repetições, aqueles que interessam -os "potenciais relacionados a evento" (ERPs, na sigla em inglês).
Para poder medir, por exemplo, a ativação cerebral devido a uma resposta da mão esquerda ou da direita, os pesquisadores tiveram que definir alguns testes nos quais a única diferença seria esse componente.
O parâmetro calculado pela equipe foi chamado de LRP, sigla em inglês para "potencial de prontidão lateralizado", isto é, vinculado aos lados do cérebro, direito e esquerdo, que controlam as ações das mãos.
Um LRP zero significa que o cérebro não está preparando uma ativação motora lateralizada. E, se o LRP é positivo, significa que o cérebro estava se preparando para o ato de levantar a mão correta de acordo com o número percebido.
Com isso, os pesquisadores puderam chegar ao principal resultado da pesquisa -um LRP positivo nos testes considerados "congruentes".
"Esse resultado significa que mesmo que as pessoas não tivessem apertado o botão em resposta aos números preparatórios, subliminares, seus cérebros estavam preparando uma resposta motora secreta para esses números", diz o pesquisador.

Verificação dos resultados
Para checar os resultados, os pesquisadores também fizeram imagens do cérebro por meio de aparelhos de ressonância magnética.
Eles usaram uma das técnicas de ponta da medicina -o chamado "imageamento funcional por ressonância magnética" (fMRI) -ou seja, a capacidade de observar algo acontecendo dinamicamente dentro do cérebro.
Um cérebro em atividade tem, por exemplo, um fluxo de sangue 25% maior -ou seja, é um alvo ideal para o imageamento funcional.
"Usando fMRI", diz Naccache, "nós fomos capazes de replicar esse fenômenos e precisar a sua resolução espacial, confirmando que o córtex motor foi afetado pelo processamento dos números percebidos inconscientemente".



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