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MICRO/MACRO
Levitação, um efeito quântico de grandes proporções
MARCELO GLEISER
especial para a Folha
Imagine se fôssemos capazes
de flutuar no espaço, aqui mesmo na Terra. Idéias sobre a "antigravidade", uma força produzida para cancelar o efeito da
força da gravidade, sempre foi
um sonho de muitos cientistas,
profissionais e amadores. E não
só de cientistas. Recentemente, o
líder de uma seita religiosa no
Reino Unido ofereceu US$ 1,5
milhão para quem inventasse
uma máquina capaz de levitá-lo
em frente a sua congregação
(claro, ele não contou seus planos para seus inocentes seguidores. Quem quiser mais detalhes,
pode consultar o endereço
http://www.sci.kun.nl/hfml.
levitationpubres.html). Várias
pessoas juram ter visto algum
guru indiano levitar por meio do
poder da mente.
Será que é possível criar uma
força capaz de cancelar a atração
gravitacional, de modo a fazer
com que objetos macroscópicos
possam mesmo levitar? Descartando a possibilidade de usarmos a força do pensamento, a
resposta é surpreendente: sim. A
idéia é usarmos a força magnética para contrabalançar a força
gravitacional. Nós sabemos que
um ímã comum pode levantar
facilmente um pedaço de ferro.
Mas note que, assim que aproximamos o ímã do metal, o metal
voa diretamente até o imã, ou seja, ele não levita. Mais ainda,
pouquíssimos materiais são
magnéticos como ferro ou níquel. A maioria é um bilhão de
vezes menos magnética do que
esses metais. Como, então, levitar um sapo, ou um ovo?
A resposta é encontrada na
mecânica quântica, a parte da física que estuda o comportamento dos átomos ou de sistemas subatômicos. Numa aproximação
bem simples, podemos imaginar
o átomo como um minissistema
solar, em que os elétrons viajam
em órbitas ao redor do núcleo.
Essas órbitas são concêntricas e
os elétrons podem "pular" entre órbitas distintas Äo "salto
quântico". Na presença de um
campo magnético, os elétrons
sofrem um reajustamento em
suas órbitas e passam a funcionar como um material "diamagnético", que apresenta um
pequeno campo magnético. Macroscopicamente, a substância
passa a funcionar como um ímã,
embora um ímã bastante fraco.
Apesar de o diamagnetismo ter
sido descoberto em 1846 pelo
grande físico inglês Michael Faraday, ninguém imaginou que o
fenômeno fosse ter alguma relevância ou aplicação. Quanto à
idéia de levitação, outro grande
físico britânico, Lord Kelvin
(William Thomson), disse: "Será provavelmente impossível observar esse fenômeno, devido à
dificuldade de encontrarmos um
magneto forte o suficiente (para
induzir o diamagnetismo forte)
ou uma substância diamagnética
leve o suficiente, já que as forças
magnéticas são muito fracas".
É possível mostrar que os campos magnéticos necessários para
levitar objetos de dimensões relativamente pequenas, como
uma amêndoa ou um sapo, têm
uma intensidade apenas cem vezes maior do que um desses ímãs
que usamos para pendurar recados na porta da geladeira. Mesmo que não seja possível fazer
esses experimentos em casa
(ainda), em um laboratório é
possível adquirir o equipamento
necessário por aproximadamente US$ 100 mil, soma razoável
para testes nas ciências naturais.
Um grupo da Holanda conseguiu de fato levitar amêndoas,
sapos, líquidos, fatias de pizza e
outros objetos com alguns centímetros de diâmetro. Esses experimentos permitem simular um
ambiente de "microgravidade"
semelhante ao encontrado por
astronautas no espaço. (Imagino
que o astronauta americano
John Glenn, 77, que voltou ao espaço recentemente, tenha achado a microgravidade um tanto
incômoda.) Portanto, podemos
estudar como plantas ou cristais
cresceriam no espaço sem sairmos do laboratório, o que pode
ser útil para projetos de exploração do sistema solar e mais além.
E a levitação de pessoas? Infelizmente, as tecnologias mais
avançadas permitem apenas levitar um objeto com no máximo
15 centímetros. Mas, no futuro,
quem sabe?
Marcelo Gleiser é professor de física teórica
do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e
autor do livro "A Dança do Universo"
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