São Paulo, segunda-feira, 16 de fevereiro de 2004

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MEDICINA

Cientistas do Ludwig, em São Paulo, identificam grupos de genes com a "assinatura" de cânceres de estômago

Instituto faz perfil molecular de tumor

FREE-LANCE PARA A FOLHA

Pesquisadores brasileiros conseguiram traçar um retrato molecular completo da evolução do câncer de estômago, desde uma inocente gastrite à formação de tumores potencialmente letais. Essa radiografia da doença, englobando tanto genes quanto proteínas de centenas de pacientes, pode indicar, no futuro, quais deles teriam mais chance de desenvolver a doença.
O trabalho, coordenado pelo bioquímico Luiz Fernando Lima Reis, 44, do Hospital do Câncer e do Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer de São Paulo, vem destacado na capa da nova edição da revista especializada "Cancer Research" e indica uma quantidade respeitável de alvos moleculares cuja sintonia fina nas células do estômago pode indicar uma tendência à transformação em alguma forma de câncer.
De um lado, a pesquisa usou um dos métodos mais bem-sucedidos e comuns nos estudos do genoma, o chamado "microarray", ou chip de DNA. A técnica parte da coleta, nas células dos pacientes, do mRNA (RNA mensageiro, a molécula que transmite a informação contida no DNA para a maquinaria da célula produzir proteínas). A quantidade de cópias da seqüência de mRNA correspondente a um determinado gene ajuda a estimar com que intensidade ele está ativo.
De outro lado, a equipe também utilizou a técnica "tissue array", ainda rara no Brasil, que analisa diretamente as proteínas presentes nas células amostradas, permitindo verificar a abundância dessas moléculas em cerca de 500 amostras ao mesmo tempo, reunidas numa única placa de vidro vista ao microscópio.

Quatro fases
As amostras, obtidas em biópsias ou endoscopias de 99 pacientes, foram selecionadas de modo a representar da forma mais abrangente possível os vários estágios que acabam desembocando no câncer de estômago.
As quatro fases escolhidas pelos pesquisadores foram a normal, em pessoas saudáveis; a presença de gastrite (um dos fatores de risco para o câncer); as metaplasias (especialização errada de um tecido, como a formação de células intestinais onde deveria haver estomacais); e os tumores propriamente ditos. A expressão, ou grau de ativação, de 376 genes foi analisada em cada tipo de célula.
Depois de verificar o padrão de expressão desses genes, os pesquisadores iniciaram uma garimpagem estatística dos dados. Passaram a tentar identificar quais conjuntos de genes (agrupados em trincas ou pares, já que se espera sempre uma ação conjunta deles) eram mais expressos em cada uma das fases estudadas.
"O resultado ficou bonito, porque a expressão gênica corresponde na prática [às variações entre essas fases]", afirma o patologista Fernando Augusto Soares, 50, pesquisador do Hospital do Câncer e co-autor do estudo.
Nada menos que 1.044 grupos de genes se mostraram capazes de diferenciar células normais de cancerosas, mas apenas 17, para separar o tecido com gastrite do de tumores. E um único conjunto foi capaz de distinguir metaplasias do câncer real.
"Nossos dados mostram que pelo menos alguns genes que estão alterados no câncer já estão alterados na gastrite. Essa observação sustenta a hipótese de que, durante a evolução para metaplasia, algumas amostras adquirem a "assinatura molecular" do câncer", afirma Lima Reis.
O Hospital do Câncer está pedindo ajuda a outras instituições para obter amostras de pacientes com metaplasia. A idéia é acompanhar essas pessoas por longos períodos, de forma a verificar se as metaplasias com assinatura molecular de câncer acabam mesmo se transformando em tumores. (RJL)


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