São Paulo, segunda-feira, 16 de fevereiro de 2004

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REUNIÃO DA AAAS

Luas de Saturno e Júpiter estão na mira

Naves automáticas vão explorar os outros mares do Sistema Solar

REINALDO JOSÉ LOPES
ENVIADO ESPECIAL A SEATTLE (EUA)

Enquanto os jipes Spirit e Opportunity se esfalfam no árido terreno marciano em busca de traços atuais ou antigos de água, o Sistema Solar exterior abriga astros cheios da substância -satélites cuja exploração já está sendo planejada por meio de testes de tecnologias nas profundezas dos oceanos da Terra.
"O problema não é achar água, já que ela está por toda parte no Universo, na forma de gelo. O mais difícil é encontrar água líquida", resumiu Torrence Johnson, do Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa (agência espacial norte-americana), durante a 170ª Reunião Anual da AAAS (Associação Americana para o Avanço da Ciência), em Seattle, no noroeste dos Estados Unidos.
Johnson é um dos coordenadores do projeto Jimo (sigla para Orbitadores das Luas Geladas de Júpiter, em inglês), que pretende investigar os megaoceanos escondidos sob quilômetros de gelo nos satélites do maior planeta do Sistema Solar. Ao lado de outros pesquisadores, Johnson apresentou os últimos achados sobre a presença de água líquida e material orgânico nesses mundos, que, depois do próprio Marte, são os melhores candidatos a abrigar formas rudimentares de vida.

Sonda a caminho
Por enquanto, os pesquisadores vão ter de se contentar com a chegada iminente da nave não-tripulada Cassini às luas de Saturno, o vizinho gigante de Júpiter, marcada para julho deste ano.
O britânico Ralph Lorenz, da Universidade do Arizona, é um dos responsáveis pela sonda Huygens, módulo de pouso europeu da sonda Cassini que vai enfrentar o estranho ambiente de Titã, satélite de Saturno que é a segunda maior lua do Sistema Solar.
"Devemos sobreviver ao pouso na neve, ou em líquido, com a ajuda dos pára-quedas", disse Lorenz, jogando uma caneta no chão para demonstrar a velocidade do impacto da Huygens sobre a superfície da lua de Júpiter.
Titã, com seu tamanho intermediário entre Mercúrio e Marte, é um verdadeiro parque de diversões para os interessados em entender quais as condições que levam ao surgimento da vida. Para começar, explica Lorenz, o gás predominante na atmosfera do satélite é o nitrogênio, assim como na Terra, e uma camada de 60 km a 200 km de gelo encobre um oceano de água líquida, com marés -criadas pela poderosa atração gravitacional de Saturno.
O papel da chuva na Terra, contudo, acaba ficando com o metano, molécula orgânica que dá à flatulência seu cheiro característico. Ele é continuamente transformado pela radiação solar em etano, de forma que a superfície de Titã provavelmente está coberta de lagos desses hidrocarbonetos.
"São como lagos de gás natural congelado, ou de gasolina", compara Lorenz. "É muito provável que pousemos num desses lagos, num terreno que deve lembrar bastante a Suécia ou o norte do Canadá em termos topográficos."
"A Huygens, então, provavelmente flutuará e nos trará algumas medidas muito interessantes sobre marés ou ondas nesses locais", afirma. Essas moléculas orgânicas aparentemente interagem de quando em quando com a água do interior de Titã, graças ao impacto de asteróides, por exemplo, o que faz do satélite um laboratório fantástico para entender como (e quando) os tijolos moleculares básicos da vida surgem.
Titã pode ser interessante, mas não dá para competir com Europa, a lua de Júpiter cujos oceanos abrigam duas vezes mais água que todos os seus similares combinados na Terra.
"Em alguns pontos, o gelo que cobre esses 100 km de água pode não ter mais que 1 km de espessura, e nós estamos verificando que a água líquida pode chegar à superfície, como na região conhecida como Caos", diz Johnson.
A missão Jimo, da Nasa, que ainda não tem data de lançamento, mandaria naves não-tripuladas para orbitar Europa e Ganimedes, a maior de todas as luas do Sistema Solar. Elas examinariam suas marés internas, mapeando a espessura da crosta de gelo e a influência da gravidade de Júpiter e da energia geoquímica do núcleo dos satélites. Os pesquisadores têm como objetivo final enviar naves capazes de penetrar a camada de gelo e explorar as regiões submarinas de Europa. Aí entram tecnologias desenvolvidas na Terra, diz Peter Guirguis, da Universidade de Washington.
Guirguis é um dos participantes do projeto Netuno, que pretende revolucionar a compreensão dos ecossistemas no oceano profundo com uma rede de laboratórios submarinos ligados por fibra óptica e operados remotamente, com 3.200 km de comprimento, da Colúmbia Britânica, no Canadá, à Califórnia, nos EUA.
Marcado para começar em 2006, o Netuno vai usar robôs que mergulharão a uma profundidade de até 3 km, com câmeras e sensores para estudar tempestades, erupções vulcânicas submarinas e plâncton (fauna e flora microscópicas do oceano).
Com essa experiência, os cientistas esperam poder criar os equivalentes submarinos do Spirit e do Opportunity. Eles, pelo menos, não vão ter de revirar seu local de pouso em busca de água.



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