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Biólogos veem complô para barrar artigos
Grupo pequeno de cientistas que estudam células tronco impede acesso de rivais a revistas importantes, diz manifesto
Segundo socióloga, disputa ferrenha por sucesso nessa área de pesquisa estimula clima de "vale-tudo" em corrida por descobertas
REINALDO JOSÉ LOPES
DA REPORTAGEM LOCAL
Vista de fora, a pesquisa com
células-tronco parece uma das
áreas mais pujantes da ciência
atual, mas alguns dos principais especialistas do ramo decidiram lançar um manifesto
contra a maneira como os estudos sobre o tema são selecionados para publicação nas principais revistas científicas. Esse
"vestibular" teria se transformado numa panelinha, que
barra a divulgação de dados importantes para manter seu próprio prestígio, acusam eles.
As críticas do grupo, capitaneado por Austin Smith, da
Universidade de Cambridge
(Reino Unido), e Shinya Yamanaka, da Universidade de Kyoto (Japão), miram o chamado
"peer-review", processo de revisão por pares que é o padrão
aceito para decidir se dada pesquisa merece ser publicada.
Num cenário ideal, a revisão
por pares seria o modo mais objetivo de avaliar a qualidade de
um estudo. O texto original de
um artigo científico normalmente é repassado para três ou
quatro revisores, os chamados
"referees", que trabalham na
mesma área que os autores. A
ideia é que, tendo sua identidade protegida, eles teriam conhecimento e objetividade para flagrar erros e "separar o joio
do trigo" entre os estudos.
Reclamações sobre falhas no
sistema são relativamente antigas e recorrentes, e a pesquisa
com células-tronco é uma área
especialmente visada. Vistas há
mais de uma década como o futuro da medicina, tais células
têm potencial para assumir a
função de qualquer tecido do
organismo, o que traz a possibilidade de regenerar tecidos e
órgãos. Países ricos têm investido bilhões de dólares para
transformar a promessa em
realidade, com grande competição entre grupos científicos.
No manifesto, assinado por
Smith, Yamanaka e outros 12
cientistas, a reclamação é que
"o padrão das publicações no
campo [das células-tronco] é
muito variável. Artigos que são
cientificamente falhos ou contêm apenas incrementos técnicos modestos com frequência
atraem atenção indevida. Ao
mesmo tempo, a publicação de
achados verdadeiramente originais pode ser adiada ou rejeitada". Eles também dizem que
"ocasionalmente", tiveram "experiências com revisões obstrutivas ou pouco razoáveis".
"Panelinha"
Em entrevista à rede britânica BBC, Smith e seu colega Robin Lovell-Badge foram mais
incisivos. Para Lovell-Badge, "a
coisa está virando uma panelinha, na qual só os artigos que
satisfazem esse grupo seleto de
poucos revisores, que se consideram pessoas muito importantes no campo, são publicados". Segundo Smith, "artigos
têm sido "segurados" por meses
e meses porque revisores pedem novos experimentos que
não são justos nem relevantes".
Para a dupla, a motivação dos
"referees" é, em vários casos,
ganhar tempo para que eles e
seus parceiros consigam publicar dados semelhantes antes
dos concorrentes. A Folha procurou Smith e Yamanaka, mas
eles não responderam aos pedidos de entrevistas.
Christine Hauskeller, socióloga da Universidade de Exeter
(Reino Unido) especialista em
produção científica, contou à
Folha que tem ouvido críticas à
revisão por pares na área das
células-tronco há quatro anos.
"Não tenho uma boa explicação sobre por que as queixas só
apareceram agora e foram feitas por esse grupo de cientistas,
que não poderíamos chamar de
pesquisadores marginalizados", afirma. Para ela, a disputa
por reputação e verbas explica
parte do problema. "A academia se tornou altamente competitiva de modo geral", diz.
"Num campo como o das células-tronco, obter sucesso rapidamente é crucial para a sobrevivência acadêmica. O contraste entre os valores intrínsecos
do ideal da revisão por pares e a
necessidade mais realista do
sucesso profissional é óbvio."
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