São Paulo, sexta-feira, 16 de julho de 2004

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AMBIENTE

Pesquisa calcula que mares atingiram um terço da sua capacidade de absorver o principal vilão do efeito estufa

Gás carbônico já entope "ralo" dos oceanos

CLAUDIO ANGELO
EDITOR-ASSISTENTE DE CIÊNCIA

À primeira vista, parece uma boa notícia: quase metade do gás carbônico emitido por atividades humanas desde o início da era industrial vai parar nos oceanos. Acontece que esse "ralo" está começando a entupir, com conseqüências potencialmente desastrosas para o planeta num futuro não tão distante.
Um estudo publicado hoje na revista científica norte-americana "Science" (www.sciencemag.org) afirma que 118 bilhões de toneladas de carbono provenientes da queima de combustíveis fósseis (como o petróleo) e da fabricação de cimento no período de 1800 a 1994 foram parar nos oceanos. Os autores da pesquisa estimam que esse volume corresponda a um terço da capacidade oceânica de estocar o gás, maior responsável pelo efeito estufa.
Como tudo que diz respeito ao clima do planeta, as conseqüências dessa saturação dos mares são complexas e pouco compreendidas. O oceano tem uma capacidade enorme de processar resíduos. Portanto, a longo prazo -alguns milhares de anos-, o gás carbônico em excesso teoricamente acabaria no fundo do mar, misturado aos sedimentos.
Só que, antes de melhorar, a situação deve piorar. Na escala de tempo de décadas a séculos, que é a que interessa à humanidade no momento, os mares deverão passar de sorvedouro a fonte adicional de gás carbônico (CO2), agravando o aquecimento da Terra.
Se isso acontecer, escrevem os autores, "as estratégias socioeconômicas necessárias para estabilizar o CO2 no futuro terão de ser muito mais austeras".
E não é só isso: um segundo estudo na mesma edição da "Science" afirma que o excesso de carbono está tornando os oceanos mais ácidos e, por meio de uma série de reações, eliminando o cálcio disponível para formar os esqueletos calcários de animais marinhos como corais e plâncton. Ambos os efeitos são desastrosos para a cadeia alimentar marinha.

Paulada
"A avaliação que eles fazem é preocupante", disse à Folha o climatologista Carlos Nobre, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). "Estamos saturando de gás carbônico a camada superior do oceano e, até o fim deste século, o sumidouro oceânico vai perder a efetividade. Os céticos do aquecimento global não vão dormir tranqüilos amanhã [hoje]."
Nobre diz que os estudos são uma "paulada" na cabeça de gente como o presidente dos EUA, George W. Bush, que rejeitou o Protocolo de Kyoto (acordo internacional para a redução dos gases que causam o efeito estufa) argumentando, entre outras coisas, que a incerteza científica sobre o assunto não justifica medidas econômica e eleitoralmente custosas, como a redução do consumo de petróleo e carvão.
A Associação Americana para o Avanço da Ciência, que publica a "Science", também percebeu a importância dos resultados, ainda mais em ano eleitoral. Convocou ontem em Washington uma de suas pouco usuais entrevistas coletivas, com os líderes dos dois estudos, Chris Sabine e Richard Feely, ambos da Noaa (agência de oceanos e atmosfera dos EUA).
Os dados analisados por Sabine e sua equipe vêm de um dos maiores experimentos oceanográficos já realizados: o Woce (Experimento Mundial de Circulação Oceânica), que realizou 95 cruzeiros ao redor do mundo e coletou mais de 72 mil amostras de água do mar entre 1989 e 1998.
Os cientistas se aproveitaram do fato de que o chamado carbono inorgânico, produzido por queima, deixa uma "assinatura" química diferente da do carbono proveniente de fotossíntese. Assim, eles conseguiram flagrar nas amostras d'água tudo o que possivelmente veio de atividades humanas e foi parar no mar.
A concentração de CO2 na atmosfera passou de 280 partes por milhão em 1800 para 380 partes por milhão atualmente. Mas esse aumento só explica metade do gás carbônico emitido pela humanidade nesse período. Agora os pesquisadores entendem o que aconteceu com a outra metade.
A projeção do IPCC, o painel de cientistas constituído pela ONU para avaliar o conhecimento existente sobre o assunto, é que, se a humanidade começar a controlar suas emissões, a concentração de CO2 na atmosfera vai se estabilizar em 450 partes por milhão em 2100, causando um aquecimento mínimo de 1,4C.


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