São Paulo, quinta-feira, 16 de setembro de 2004

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BIOSSEGURANÇA

Bancada religiosa derrota lobby de cientistas e limita uso de embriões humanos congelados em pesquisa

Sob pressão, Senado veta clone terapêutico

LUIS RENATO STRAUSS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A bancada religiosa conseguiu derrubar ontem no Senado o texto da Lei de Biossegurança que permitiria a utilização de células-tronco embrionárias obtidas por clonagem para pesquisa. No relatório aprovado ontem pelas comissões da Casa, no entanto, foi mantida a possibilidade do uso de estoques congelados de embriões resultantes de fertilização in vitro.
Os embriões são fonte das chamadas células-tronco embrionárias, consideradas uma grande promessa na medicina por sua capacidade de se transformar em qualquer tipo de tecido. Os cientistas acreditam que a pesquisa com esse tipo de célula poderá levar a tratamentos para lesão de medula, problemas cardíacos ou doenças degenerativas como diabetes e mal de Parkinson.
No relatório do senador Ney Suassuna (PMDB-PB), ficou estabelecido que somente poderão ser usados "os embriões congelados há três anos ou mais" ou que já estejam no estoque, "na data da publicação da lei", e completarem três anos ao longo do tempo.
"O cálculo é que o estoque seja suficiente para cinco anos de estudo", afirmou Lúcia Vânia (PSDB-GO). "Uma lei desse tipo precisa ser avaliada. Então, a gente fechou o universo dos embriões que podem ser pesquisados. Agora, quando tivermos mais domínio sobre esse assunto, a pesquisa e terapia com embriões, a gente pode avançar no processo", disse.
O inciso que previa a clonagem terapêutica -prática que era vedada na versão anterior do projeto no Senado- foi inserido pela própria senadora de Goiás, após reuniões com cientistas.
A clonagem terapêutica consiste em fundir o núcleo de uma célula adulta com um óvulo sem núcleo, processo semelhante ao usado para criar a ovelha Dolly. O embrião produzido por essa técnica se desenvolveria até a fase de blastocisto -uma bola de cem células- e seria destruído para a extração das células-tronco.
Entre as vantagens defendidas por cientistas está a possibilidade de criar células-tronco com o material genético do próprio paciente, o que em teoria evitaria a rejeição do corpo ao tratamento.
O acordo foi firmado na manhã de ontem, após uma reunião entre representantes da comunidade científica, os senadores a favor da clonagem terapêutica Tião Viana (PT-AC), Lúcia Vânia, Tasso Jereissati (PSDB-CE) e os parlamentares contrários Flávio Arns (PT-PR) e Magno Malta (PL-ES).
A geneticista Mayana Zatz, da USP, participou da reunião. "É óbvio que eu preferiria que a permissão para a clonagem terapêutica ficasse no texto, porque ela traz vantagens em relação à utilização dos embriões congelados", disse Zatz à Folha. "Mas, se o texto for aprovado com o uso desses embriões, considero um avanço, sem dúvida", afirmou.
Segundo Viana, o acordo agora prevê um debate sobre a clonagem terapêutica no Senado. Estão previstas cinco audiências públicas. Após esse debate, poderá ser encaminhado para votação no Congresso um projeto de lei específico sobre o assunto.
"Nós concordamos com o acordo. A gente não vai fazer terapia celular, até porque essa tecnologia ainda não está sendo empregada no país", afirmou a bióloga Patrícia Pranke, da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Ela comemorou a manutenção da pesquisa e terapia a partir de embriões congelados.
"A vitória só virá quando o texto passar na Câmara dos Deputados. Por enquanto, nós estamos eufóricos e otimistas", disse Pranke.
O texto foi aprovado ontem nas três comissões que analisavam o assunto -Assuntos Sociais (CAS), de Assuntos Econômicos (CAE) e Constituição Justiça e Cidadania (CCJ). Agora, ele deve seguir hoje para a votação em plenário no Senado. Se aprovado, o texto volta para Câmara dos Deputados, onde a utilização de embriões havia sido vetada.


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