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São Paulo, quinta-feira, 16 de outubro de 2003

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ESPAÇO

Primeira missão tripulada da China limita-se a testes de qualificação; Yang Liwei experimenta câmaras de alta resolução

Astronauta chinês retorna em segurança

France Presse
Yang Liwei acena para técnicos depois de pousar no deserto


SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando o foguete subiu na noite de anteontem, levando ao espaço o primeiro astronauta chinês, apenas metade do serviço estava concluída. A outra metade era trazê-lo de volta. Essa tarefa crucial foi executada com sucesso ontem. A aterrissagem ocorreu às 19h28, hora de Brasília, seguindo à risca os planos dos engenheiros.
O retorno completa a primeira missão espacial tripulada de um país que não seja Rússia ou Estados Unidos. Além de orgulho para a população chinesa e para seus governantes, a realização pode catalisar uma onda de projetos astronáuticos internacionais, por competição ou cooperação.
A missão da Shenzhou-5 e de seu solitário astronauta, o tenente-coronel Yang Liwei, foi concluída depois de 14 órbitas completas em torno da Terra. O pouso ocorreu numa região isolada da Mongólia Interior. O premiê chinês, Wen Jiabao, contatou Yang após o pouso para parabenizá-lo. A missão seguiu o mesmo cronograma adotado no primeiro vôo não-tripulado da Shenzhou ("nave divina", em chinês), em 1999.

Observador em órbita
Apesar da responsabilidade de ser o primeiro astronauta chinês, Yang, 38, não enfrentou grandes desafios durante sua missão de cerca de 21 horas. Por razões de segurança, a complexidade das tarefas foi estabelecida num patamar mínimo, com o objetivo básico de testar os sistemas de suporte de vida e de controle de atitude (orientação do veículo no espaço). É um vôo de qualificação, não uma missão científica.
Apesar disso, Yang teve chance de operar câmeras de alta resolução a bordo do módulo orbital, fazendo reconhecimento da superfície terrestre. É uma tarefa que deve ganhar destaque em futuros vôos, com o objetivo de desenvolver a tecnologia exigida para construção de satélites-espiões para as forças militares chinesas.
A Shenzhou-5 teve alguma coisa da atmosfera romântica de um vôo espacial pioneiro. Yang conversou com sua mulher, Zhang Yumei, enquanto esteve em órbita. "Estou me sentindo muito bem no espaço, e parece esplêndido por aqui", disse. "A visão do Universo é bonita." Ele também falou com seu filho, de oito anos. "Eu tive a visão de nosso bonito lar [referindo-se à Terra] e gravei tudo que vi aqui", relatou. Yang manteve ainda diálogos com o ministro da Defesa chinês.

Programa pacífico
Até agora, todos os esforços têm sido feitos por parte dos gerentes do programa espacial chinês para enfatizar a natureza pacífica de sua missão. O astronauta Yang desfraldou duas bandeiras enquanto esteve em órbita: a da China e a das Nações Unidas.
De Nova York, o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, retribuiu a atenção. Por meio de um porta-voz, Annan classificou a missão da Shenzhou como "um passo à frente para toda a humanidade", enviando votos de uma "conclusão segura e bem-sucedida dessa viagem inaugural".
Ao se pronunciar sobre o feito, a Nasa parece não ter esquecido o fato de que está com sua frota de naves tripuladas no chão desde fevereiro, em razão do acidente com o ônibus espacial Columbia.
"Esse lançamento é uma realização importante na história da exploração humana. O povo chinês tem uma longa e renomada história de exploração. A Nasa deseja à China um contínuo e seguro programa de vôo espacial humano", disse Sean O'Keefe, administrador da agência espacial americana, em comunicado.
Não há nos Estados Unidos a perspectiva de uma nova corrida espacial. Até agora, a Casa Branca se manifestou apenas no sentido de parabenizar os chineses pelo sucesso, mas classificou as possibilidades de cooperação entre os dois países como especulações.
Vários especialistas estão apontando a possibilidade de embarcar a China no projeto da ISS (Estação Espacial Internacional), que reúne a nata do vôo espacial tripulado. O ex-astronauta Edwin "Buzz" Aldrin sugeriu que a Shenzhou poderia futuramente servir como salva-vidas para o complexo orbital, no lugar das naves russas Soyuz.
Se isso acontecer, provavelmente será por intermédio de russos ou europeus. Após o vôo da Shenzhou, ambos manifestaram simpatia pelo sucesso chinês. "Damos as boas-vindas a esse desenvolvimento e congratulamos a China por se juntar às potências espaciais que têm seu próprio programa espacial tripulado", disse Nikolai Moiseyev, vice-diretor da Rosaviakosmos (agência espacial russa). "Essa missão poderia iniciar uma nova era de cooperação mais ampla na comunidade espacial mundial", afirmou o diretor da ESA (agência espacial européia), Jean-Jacques Dordain.
Passos nessa direção já foram dados recentemente, com a assinatura de um acordo de colaboração entre chineses e europeus para o desenvolvimento do projeto Galileo, uma rede de satélites de posicionamento global que oferecerá alternativa ao GPS americano. Além disso, a ESA tem outros dois projetos de cooperação com a China em satélites científicos.
O segundo vôo tripulado da Shenzhou ainda não tem planos firmes, mas deve acontecer em algum ponto do ano que vem. Segundo o cronograma chinês, serão precisos quatro vôos para qualificar totalmente o veículo.


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