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REUNIÃO DA AAAS
Estudo nos EUA injeta cópia extra de gene de fator de crescimento muscular e pode criar doping indetectável
Genética transforma rato em "superatleta"
REINALDO JOSÉ LOPES
ENVIADO ESPECIAL A SEATTLE (EUA)
Experiências com ratos anunciadas ontem nos Estados Unidos
abrem a possibilidade de transformar atletas em algo mais que
humanos, por meio da manipulação genética. O objetivo dos cientistas, embora nobre (combater
doenças musculares degenerativas), pode ter como subproduto
uma forma de doping mais eficaz
e hoje impossível de detectar.
A nova ameaça ao esporte se
chama IGF-1 (fator de crescimento semelhante à insulina-1, na
abreviação em inglês). É uma das
moléculas envolvidas no crescimento e no reparo de células e fibras musculares que respondem,
em grande parte, pela potência do
chute de Ronaldinho ou das braçadas de Fernando Scherer.
Lee Sweeney, da Universidade
da Pensilvânia (EUA), apresentou
os efeitos do IGF-1 em ratos durante a 170ª Reunião Anual da
AAAS (Associação Americana
para o Avanço da Ciência, na sigla
em inglês), que terminou ontem
em Seattle, no noroeste dos EUA.
Atenção indesejada
Embora os resultados só devam
ser publicados oficialmente na
edição do mês que vem da revista
científica "Journal of Applied
Physiology" (www.jap.org), o
trabalho original de Sweeney com
ratos já havia atraído uma atenção
indesejada, conta o pesquisador:
"Em geral, metade dos e-mails
que recebemos vêm de pacientes
com distrofia e atrofia musculares, e a outra metade, de atletas".
"As coisas que estamos desenvolvendo tendo doenças em mente podem um dia ser usadas para
incremento genético do desempenho atlético", disse.
A equipe usou um tipo de vírus
conhecido como adeno-associado, comum nos vários testes de
terapia genética feitos até hoje. Ele
funcionou como um táxi de DNA,
encarregado de levar e instalar no
organismo do roedor o gene cuja
seqüência de "letras" químicas especifica a receita para produzir o
IGF-1.
O vírus, injetado diretamente
nos músculos das patas traseiras
que os cientistas queriam estimular, inseriu a seqüência do IGF-1
no genoma (coleção completa dos
genes) das células dos animais,
que passaram a produzir o IGF-1.
Os pesquisadores se puseram
então a examinar os efeitos da
transferência gênica nos roedores
que eram sedentários e nos que
faziam exercícios (numa daquelas
típicas rodinhas de andar comuns
em gaiolas de "hamsters" ou camundongos de estimação).
Mesmo para os mais preguiçosos dos ratos, a manipulação genética foi capaz de criar um aumento da massa e da força musculares que ia de 15% a 30%, afirma Sweeney. Quando os bichos,
no entanto, eram postos para malhar, a melhora resultante foi quase o dobro do que se verificava
num animal não-modificado.
Além disso, a alteração se mantinha durante todo o (curto) ciclo
de vida dos ratos e não diminuía
significativamente com a idade.
As repercussões de uma mudança dessas num atleta humano
são consideráveis. Para começar,
ele poderia se recuperar de forma
muito mais rápida de grandes esforços em treinos ou competições, já que o IGF-1 também influi
na capacidade de auto-reparo das
fibras musculares.
Doping perfeito
Mais que isso: se injetado diretamente no músculo, o vírus não
deixa traços (nem do fator de
crescimento) na corrente sangüínea ou na urina, de forma que o
único modo de flagrar esse superdoping seria invasivo: fazer uma
biópsia muscular do atleta. "Eles
[os esportistas] basicamente seriam capazes de escapar do antidoping", avalia Sweeney.
Segundo Richard Pound, da
Agência Mundial Antidoping e da
Universidade McGill, no Canadá,
as regras antidoping atuais já
proíbem o uso de manipulação
genética para melhorar o desempenho esportivo. Com uma técnica aparentemente indetectável
como a de Sweeney, a legislação
correria, aparentemente, o risco
de virar letra morta.
"Nós gostaríamos de acompanhar [a pesquisa] desde cedo e de
ajudar a regulamentá-la", disse
Pound, da agência antidoping.
"Vamos arranjar um jeito."
A coisa toda é, na verdade, muito mais complicada, diz o fisiologista da Filadélfia. "Essa não é
uma intervenção que o atleta seria
capaz de fazer na sua própria garagem", afirma Sweeney. A tecnologia e o controle biológico necessários para realizar a modificação
são complicados, e os resultados
beiram o imprevisível.
Ainda que os ratos geneticamente "bombados" tenham mostrado saúde perfeita, as experiências recentes com técnicas de geneterapia mostram que os vírus
usados como vetores podem alojar o trecho de DNA que carregam
nos lugares mais desastrosos.
Foi o que aconteceu no ano retrasado na França. Meninos geneticamente tratados contra uma
séria deficiência do sistema de defesa do organismo (os chamados
meninos da bolha) acabaram adquirindo uma leucemia por efeito
de uma malfadada inserção do
gene-remédio em seu DNA.
Além disso, Sweeney disse que a
técnica pode acarretar risco de
problemas cardíacos e, talvez, de
câncer. "Não está claro quais os
riscos que estão associados com
tal uso [doping]."
Questão ética
Outra questão, se a técnica se
mostrar segura nas próximas décadas: haveria mesmo algo de inerentemente imoral em usá-la?
Afinal, disse um dos jornalistas
presentes à apresentação de
Sweeney, algumas pessoas nascem com músculos naturalmente
mais potentes. Por que seria injusto dar aos competidores uma
chance de se igualar a elas?
"Isso realmente tem a ver com o
tipo de esporte e de sociedade que
queremos ter", filosofou o bioeticista Thomas Murray, do Centro
Hastings (EUA). "É um divisor de
águas para definir os valores de
superação e de talento individual
que fazem do esporte essa coisa
que nos fascina."
Para Sweeney, quando a segurança do tratamento estiver comprovada para pacientes, será difícil conter sua disseminação pela
população sadia: "Nessa altura é
provável que a posição de nossa
sociedade sobre a questão do
aperfeiçoamento genético seja
muito diferente da de hoje".
Colaborou a Redação
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