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Micro/Macro
Vida, extinção e evolução
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
É comum dizer que existe uma tensão
na natureza entre tendências criadoras e destruidoras. Essa polarização é
fruto de nossa percepção limitada da
realidade, que tende a organizar tudo a
partir de opostos: o frio e o quente, o macho e a fêmea, a luz e as trevas. A Natureza não tem uma dimensão moral, e pouco se importa com o que chamamos de
criação e destruição. Dito isto, aqui estamos nós, produtos improváveis de apenas alguns bilhões de anos de evolução,
seres vivos capazes de não só sobreviver
em um mundo hostil mas, também, de
se questionar sobre as suas próprias origens. O homem é o maior dos mistérios.
Para tentarmos entender as nossas origens, temos antes de reconstruir a história da Terra e dos seus vários habitantes
que nos antecederam. Se os primeiros
hominídeos apareceram há aproximadamente 3 milhões de anos, a vida pelo
que determinamos hoje apareceu em
torno de 3,5 bilhões de anos atrás, quando a Terra resfriou o suficiente para ter
oceanos. De onde vieram as primeiras
formas de vida e como elas se formaram
permanecem questões em aberto. Questões que, aliás, talvez sejam impossíveis
de serem respondidas precisamente. Para tal precisaríamos de detalhes, de fósseis dos primeiros seres vivos, que podem estar perdidos para sempre.
Talvez seja mais prudente começar
com questões simples, relacionadas à diversidade das formas de vida e não à sua
origem. O registro fóssil da Terra mostra
que a história da vida aqui é extremamente dramática; em muitos (mas não
todos) casos, períodos de grande diversificação e estabilidade foram terminados
por grandes extinções, nas quais uma
fração alta das espécies desapareceu
abruptamente e não gradualmente. A extinção dos dinossauros, que ocorreu há
65 milhões de anos, é o exemplo mais popular dessas catástrofes do passado.
Após duas décadas de muita discussão
entre geólogos, palentólogos, químicos e
físicos, e do acúmulo irrefutável de provas, ficou claro que a extinção dos dinossauros foi causada pelo impacto com um
asteróide de aproximadamente 10 quilômetros de diâmetro, que ocorreu onde
hoje é o Golfo do México. A cratera cavada pelo invasor extraterrestre tem um
diâmetro de quase 200 quilômetros. Para
chegar a essa conclusão foram necessárias várias pistas diferentes, deixadas pela violência do impacto: cristais de quartzo exibindo fraturas devido ao aumento
absurdo de temperatura de milhares de
graus e pressão milhões de vezes acima
do normal; rochas desfiguradas pela
energia do impacto; microesferas de vidro, criadas pelo rápido resfriamento de
rochas derretidas durante o impacto;
traços do elemento irídio, raríssimo na
superfície da Terra, mas comum em certos asteróides; gases raros aqui na Terra,
mas comuns no espaço, encontrados
aprisionados dentro de certas moléculas
com a estrutura de uma bola de futebol,
chamadas fulerenos; traços de carvão vegetal em concentrações milhares de vezes maiores do que o normal, devido à
queima de florestas inteiras.
Cito essa longa lista de provas para que
o leitor fique a par de como certas conclusões são obtidas por cientistas. O trabalho de inspeção é exaustivo e a análise
é quantitativa, numa combinação de lógica dedutiva e técnicas de laboratório. A
idéia especulativa (a extinção causada
por um impacto) é apenas o início do
processo de descoberta, não o seu fim.
Recentemente, o refinamento das técnicas de análise geológica motivado pelo
debate sobre os dinossauros vem gerando mais polêmica: aparentemente, uma
outra extinção em massa responsável pelo desaparecimento de 90% da vida no
planeta conhecida como "a grande morte", também foi causada por um impacto
catastrófico com um bólido celeste. Esse
evento ocorreu há 250 milhões de anos, e
uma possível cratera do mesmo tamanho que a deixada no Golfo do México
foi encontrada na Austrália. A conclusão
ainda não é firme como com os dinossauros, mas é bastante plausível.
O que comprova a incrível versatilidade da vida. A cada impacto as formas de
vida se renovam com uma intensidade
impressionante, como se um caldeirão
genético entrasse em ebulição juntamente com as rochas em torno do ponto de
impacto. Os seres humanos, aliás, são
consequência dessa renovação. Com a
extinção dos dinossauros, os mamíferos,
que antes eram insignificantes, tornaram-se os novos donos da bola. Em última análise, o homem é resultado de um
acidente cósmico e da frenética criatividade da Natureza. O mistério permanece, mas não é inescrutável.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do
Dartmouth College, em Hanover (Estados Unidos),
e autor do livro "O Fim da Terra e do Céu"
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