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AMAZÔNIA
Relatório feito por grupo de ONGs vê correlação entre aumento da área plantada e deslocamento do rebanho
Soja empurra boi para floresta, diz estudo
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
Um relatório a ser divulgado
hoje por um grupo de organizações não-governamentais brasileiras confirma uma suspeita trágica para a Amazônia: a expansão
do cultivo de soja está de fato empurrando a pecuária para áreas de
floresta, especialmente em Mato
Grosso e Rondônia.
O trabalho, realizado pelo Fórum Brasileiro das ONGs, que será apresentado hoje em Foz do
Iguaçu (PR), também indica que
o tempo de conversão de uma
área de floresta para pastagem ou
lavoura está encurtando para dois
a três anos, em comparação aos
cinco a seis anos apontados por
estudos anteriores.
Alguns de seus resultados já
vêm sendo divulgados desde o
início do ano, mostrando, por
exemplo, que há uma correlação
entre os grandes desmatamentos
ilegais e a expansão da agricultura
em Mato Grosso -70% dos desmatamentos com mais de 1.350
hectares são usados para agricultura, sendo a soja a principal cultura plantada. O dado gerou polêmica com um estudo do Ipea
(Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada), que afirma que o avanço da soja só ocorreu em áreas de
pastagem degradada e cerrado.
Para esclarecer a relação da soja
com a pecuária - grande motor
do desmatamento-, o estudo fez
um cruzamento de dados de diversas fontes, como Embrapa
(Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária), Inpe (Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais),
BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e IBGE (Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística). Os dados indicam que, em municípios
produtores de soja em Mato
Grosso, especialmente na região
central do Estado, o rebanho bovino diminuiu entre 2000 e 2003 à
medida que do grão se expandia.
Na outra ponta, os municípios
que mais tiveram crescimento de
rebanho foram justamente os do
norte do Estado, na fronteira com
o Pará, dentro da floresta amazônica, além dos do Pantanal.
"É um fenômeno generalizado,
que ocorreu tanto na baixa BR-163 [rodovia Cuiabá-Santarém]
quanto na chapada dos Parecis",
disse à Folha Roberto Smeraldi,
da ONG Amigos da Terra Amazônia Brasileira, um dos coordenadores do estudo. Segundo Smeraldi, essa redução no rebanho em
zonas de soja "vai na contramão
da tendência nacional" de aumento no rebanho bovino.
De 2002 a 2003, o número de cabeças de gado no país cresceu
5,5%. Somente na região Norte, o
aumento foi de 11,5%.
O processo é conhecido: a valorização das terras pela sojicultura,
atividade altamente mecanizada e
capitalizada, faz com que os pecuaristas abandonem os municípios de fronteira consolidada e
adquiram novas terras. "Diante
da valorização, o pecuarista vende, se capitaliza e se manda", diz
Smeraldi. As áreas já abertas para
pastagem viram plantações. E as
áreas de floresta viram pasto, já
que o capim, diferentemente da
soja, se dá bem mesmo em regiões
acidentadas e com muita chuva.
"A soja em si não pode ser considerada o fator principal -ela é
um direcionador e acelerador do
desmatamento", diz Smeraldi.
O estudo também aponta cenários para a expansão da soja na região estudada (Rondônia, Pará,
Tocantins, Mato Grosso e Maranhão), que deverá quase triplicar
até 2014 -de 58,2 mil km2 plantados hoje para 170,7 mil km2.
Na última década, a área de soja
no Estado cresceu 400%. O plantio começou pelo cerrado, e migrou nesses dez anos cerca de 500
quilômetros para o norte. No
mesmo período, diz o estudo, a
área desmatada no Estado aumentou progressivamente. Entre
2002 e 2003, ela cresceu 133%, segundo dados da Fema, o órgão
ambiental estadual.
O engenheiro agrônomo Judson Valentim, da Embrapa Acre,
diz que concorda com o estudo.
"A perspectiva de incorporação
de pastagens [à agricultura] vai
empurrando a pecuária para o
Centro-Oeste e a Amazônia", afirmou. Segundo Valentim, se a
criação de gado não tivesse incorporado novas tecnologias, as cifras do desmatamento -que deve ficar por volta de 24 mil quilômetros quadrados neste ano-
seriam muito mais graves.
Uma forma de reduzir esse impacto, diz o agrônomo, é descobrir exatamente como estão sendo usados os 15% da Amazônia
que já foram desmatados. "Áreas
desmatadas poderiam ser reutilizadas para reduzir a pressão."
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