São Paulo, quinta-feira, 17 de março de 2005

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AMAZÔNIA

Relatório feito por grupo de ONGs vê correlação entre aumento da área plantada e deslocamento do rebanho

Soja empurra boi para floresta, diz estudo

CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA

Um relatório a ser divulgado hoje por um grupo de organizações não-governamentais brasileiras confirma uma suspeita trágica para a Amazônia: a expansão do cultivo de soja está de fato empurrando a pecuária para áreas de floresta, especialmente em Mato Grosso e Rondônia.
O trabalho, realizado pelo Fórum Brasileiro das ONGs, que será apresentado hoje em Foz do Iguaçu (PR), também indica que o tempo de conversão de uma área de floresta para pastagem ou lavoura está encurtando para dois a três anos, em comparação aos cinco a seis anos apontados por estudos anteriores.
Alguns de seus resultados já vêm sendo divulgados desde o início do ano, mostrando, por exemplo, que há uma correlação entre os grandes desmatamentos ilegais e a expansão da agricultura em Mato Grosso -70% dos desmatamentos com mais de 1.350 hectares são usados para agricultura, sendo a soja a principal cultura plantada. O dado gerou polêmica com um estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), que afirma que o avanço da soja só ocorreu em áreas de pastagem degradada e cerrado.
Para esclarecer a relação da soja com a pecuária - grande motor do desmatamento-, o estudo fez um cruzamento de dados de diversas fontes, como Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Os dados indicam que, em municípios produtores de soja em Mato Grosso, especialmente na região central do Estado, o rebanho bovino diminuiu entre 2000 e 2003 à medida que do grão se expandia.
Na outra ponta, os municípios que mais tiveram crescimento de rebanho foram justamente os do norte do Estado, na fronteira com o Pará, dentro da floresta amazônica, além dos do Pantanal.
"É um fenômeno generalizado, que ocorreu tanto na baixa BR-163 [rodovia Cuiabá-Santarém] quanto na chapada dos Parecis", disse à Folha Roberto Smeraldi, da ONG Amigos da Terra Amazônia Brasileira, um dos coordenadores do estudo. Segundo Smeraldi, essa redução no rebanho em zonas de soja "vai na contramão da tendência nacional" de aumento no rebanho bovino.
De 2002 a 2003, o número de cabeças de gado no país cresceu 5,5%. Somente na região Norte, o aumento foi de 11,5%.
O processo é conhecido: a valorização das terras pela sojicultura, atividade altamente mecanizada e capitalizada, faz com que os pecuaristas abandonem os municípios de fronteira consolidada e adquiram novas terras. "Diante da valorização, o pecuarista vende, se capitaliza e se manda", diz Smeraldi. As áreas já abertas para pastagem viram plantações. E as áreas de floresta viram pasto, já que o capim, diferentemente da soja, se dá bem mesmo em regiões acidentadas e com muita chuva.
"A soja em si não pode ser considerada o fator principal -ela é um direcionador e acelerador do desmatamento", diz Smeraldi.
O estudo também aponta cenários para a expansão da soja na região estudada (Rondônia, Pará, Tocantins, Mato Grosso e Maranhão), que deverá quase triplicar até 2014 -de 58,2 mil km2 plantados hoje para 170,7 mil km2.
Na última década, a área de soja no Estado cresceu 400%. O plantio começou pelo cerrado, e migrou nesses dez anos cerca de 500 quilômetros para o norte. No mesmo período, diz o estudo, a área desmatada no Estado aumentou progressivamente. Entre 2002 e 2003, ela cresceu 133%, segundo dados da Fema, o órgão ambiental estadual.
O engenheiro agrônomo Judson Valentim, da Embrapa Acre, diz que concorda com o estudo. "A perspectiva de incorporação de pastagens [à agricultura] vai empurrando a pecuária para o Centro-Oeste e a Amazônia", afirmou. Segundo Valentim, se a criação de gado não tivesse incorporado novas tecnologias, as cifras do desmatamento -que deve ficar por volta de 24 mil quilômetros quadrados neste ano- seriam muito mais graves.
Uma forma de reduzir esse impacto, diz o agrônomo, é descobrir exatamente como estão sendo usados os 15% da Amazônia que já foram desmatados. "Áreas desmatadas poderiam ser reutilizadas para reduzir a pressão."


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