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Micro/Macro
O fóton, partícula de luz
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
O ano de 1905 é muitas vezes mencionado como milagroso na vida de
Albert Einstein. Com apenas 26 anos, ele
publicou, durante esse ano, quatro artigos que revolucionaram o desenvolvimento da física moderna. Em um deles,
Einstein trata do chamado movimento
browniano, a agitação que é observada
quando pequenas partículas são postas
em suspensão em um líquido. O efeito
foi descoberto em 1827 pelo botânico inglês Robert Brown, enquanto observava
grãos de pólen flutuando sobre gotas
d'água. Einstein mostrou que o movimento em forma de ziguezague das partículas microscópicas (no caso de
Brown, o pólen) é causado por colisões
com as moléculas do líquido. Esse artigo
abriu o caminho para a aceitação da existência dos átomos, que, até então, permanecia disputada por vários físicos e filósofos.
Dois dos artigos publicados por Einstein em 1905 tratam da teoria da relatividade especial, onde ele mostrou que medidas do comprimento de objetos e de
intervalos de tempo são diferentes para
observadores em movimento relativo.
Isso porque a velocidade da luz é finita,
mesmo que bastante alta (300.000 km/s),
e idêntica para todos os observadores.
Mas hoje gostaria de me concentrar no
quarto (na verdade o primeiro a ser publicado) dos famosos artigos, no qual
Einstein avançou a hipótese de que a luz,
ou melhor, a radiação eletromagnética,
pode ser interpretada como sendo tanto
composta por partículas como por ondas, propagando-se pelo espaço. Vale a
pena lembrar que a luz visível é apenas
uma pequena porção do vasto espectro
da radiação eletromagnética. Ele vai das
ondas de rádio, de baixa frequência e
longo comprimento de onda, até os raios
gama, de altíssima frequência e pequeno
comprimento de onda, passando por radiação infravermelha, luz visível, radiação ultravioleta e raios X.
No artigo, Einstein propõe uma explicação revolucionária para o chamado
efeito fotoelétrico, descoberto pelo alemão Heinrich Hertz (o mesmo que descobriu as ondas de rádio) em 1887. Imagine uma placa metálica eletricamente
neutra. É possível eletrificar a placa, isto
é, dar-lhe uma carga elétrica positiva, se a
irradiarmos com certos tipos de radiação
eletromagnética. Mas o efeito só ocorre
se a radiação tiver frequência relativamente alta, do ultravioleta em diante. Se
iluminarmos a placa com luz amarela,
nada irá acontecer: sua carga seguirá
neutra. E de nada adiantará aumentar a
intensidade da luz. Mesmo com uma
fonte de luz amarela extremamente intensa, a placa continuará neutra.
As tentativas iniciais de explicar o efeito a partir da teoria ondulatória da luz falharam. A descoberta de Hertz criou um
impasse na física. Einstein, em um ato de
extrema coragem intelectual, supôs que
a radiação eletromagnética fosse formada por pequenas balas de radiação, que
ganharam o nome de fótons. Einstein
propôs que a energia de um fóton fosse
proporcional à sua frequência -quanto
maior a frequência de um fóton, maior a
sua energia. Portanto, um fóton de radiação ultravioleta tem energia maior do
que um fóton de radiação correspondente a algum tom da cor amarela.
Essa simples relação explica por que a
luz ultravioleta, e não a amarela, pode
eletrificar a placa metálica. A placa é feita
de átomos, que têm elétrons girando em
torno do núcleo, em órbitas diversas. Esses elétrons, com carga negativa, são
atraídos eletricamente pelo núcleo, que
tem carga positiva. Imagine um fóton
como um pequeno projétil que se chocaria com o elétron mais externo do átomo:
se o fóton tiver energia suficiente, ele será
capaz de arrancar o elétron do átomo,
sobrepondo a atração entre o elétron e o
núcleo atômico. Com isso, o átomo fica
com um déficit de uma carga negativa (o
elétron perdido), o que equivale a ganhar
uma carga positiva.
Em 1914, o americano Robert Millikan,
muito a contragosto, confirmou a expressão proposta por Einstein para explicar o efeito fotoelétrico. Diferentemente do que muitos pensam, Einstein
ganhou o prêmio Nobel em 1921 pela sua
explicação do efeito fotoelétrico e não
pela teoria da relatividade. A natureza física da luz continuou a assombrar (e a
inspirar) o gênio pelo resto de sua carreira. O que significa algo ser tanto partícula
quanto onda? Por que a velocidade da
luz é a mais alta possível? Para ele, esses
mistérios deveriam ser explicados por
teorias mais fundamentais da física. A
procura por elas continua.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do
Dartmouth College, em Hanover (Estados Unidos),
e autor do livro "A Dança do Universo"
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